DECADÊNCIA MORAL...

Não era a primeira vez que entravamos naquela loja. Na maioria das vezes em que íamos ao shopping, até mesmo com toda a turma, gostávamos de passar por ela para ver as novidades que haviam chegado, e ficávamos deslumbrados com tanta tecnologia. Eram de vídeo games a celulares. Relógios, óculos de marcas famosas e todos os tipos de apetrechos que algum amante da tecnologia poderia querer. Tudo o que se via nos lançamentos de grandes marcas estavam ali, disponíveis aos playboys influenciados pela mídia da moda moderna. A loja estava cheia deles. Pareciam ter vindo de outro planeta pela forma como se portavam. O jeito de falar e de se vestir parecidos os rotulava como se fossem um grupo seleto. Nunca tive problema com nenhum tipo de etnia cultural e social. Sempre fui muito flexível a fazer amizades e comunicar com aqueles que estavam a minha volta. Mas a realidade em que eu havia crescido fazia notória a diferença entre nós. Longe de ser preconceito da minha parte, mas a socialização entre ambas as partes me mostrava os dois lados da moeda.

Diante de tudo o que havia presenciado, uma coisa ficou clara para mim. Se algum dia eu conseguisse chegar a subir alguns degraus da longa escada, que separava ridiculamente as classes sociais por aquilo que se tem e não pelo caráter, com certeza eu não me tornaria como um dos milhares de ricos arrogantes e estúpidos que víamos por todos os lados. Pessoas com contas recheadas, mas com o coração pobre e vazio. Sempre se achando melhores do que todos por ter nascido em berço de ouro se esquecem de que a vida é uma surpresa. Quem em sua mais louca clarividência poderia prever que alguém como eu, um plebeu por natureza, nascido, não na miséria, mas apenas um nome entre os milhares que preenchem os extensos livros de registros, passado despercebidos aos olhos daqueles que se julgam deuses pelo poder através da riqueza; quem poderia supor que a vida pudesse tramar algo tão surreal e esplendido. Sem nenhum aviso ou pedido, eu havia sido enxertado na árvore seleta dos bilionários. Alguém carregando em sua origem um vírus, pronto para começar a quebrar alguns dogmas culturais sem medo das conseqüências.

Com certeza eu não mudaria o mundo, mas faria um estrago, um choque entre culturas entre aqueles que me cercavam. Ódio não seria a palavra apropriada para descrever meus pensamentos e desapontamento sobre o que a raça humana havia se tornado, tendo em vista que eu acreditava na desfragmentação dos principais valores éticos que se perderam totalmente na insana e inconsequente corrida para se alcançar o status de perfeição, mesmo que transformassem todo o resto em caos. Apesar de estar vivendo algo impossível, um sonho irreal, meus conceitos agora pareciam ainda mais vivos, e sem dúvida alguma eu lutaria para tentar retribuir com o máximo de altivez e propriedade a chance que eu havia recebido de não ser mais um dos que pensam e sim daqueles que lutam que fazem algo que valha a pena ser deixado como testamento de gerações. Ainda que nesse exato momento tudo o que passava pela minha cabeça era o gasto desenfreado e a satisfação dos meus desejos, influenciados direta e indiretamente por tudo o que me cercava, eu tentava ponderar as coisas. De maneira nenhuma deixaria que alguns objetos ou viagens me corrompessem. Sabendo que estava deixando uma vida para trás, mas carregaria comigo o que aprendi desde cedo, que uma pessoa sem objetivo é como uma árvore sem raízes profundas, não vive por muito tempo. E agora eu teria que traçar objetivos ainda mais maciços e contundentes para não me espairecer com as propostas que seriam apresentadas como manjares na tentativa de me tornar igual a todos que foram antes de mim. Uma coisa eu tinha consciência, de que o momento presente não poderia ser meu alicerce para o futuro. Aproveitar e relaxar, divertir e distrair sim, mas sem esquecer-se das minhas origens. Mesmo sendo jovem com apenas vinte e cinco anos, os traços marcantes da inconformidade cultural eram nítidos em meus pensamentos e palavras, que ora e outra escapavam em uma discussão. Presenciando o imperialismo moderno que devorava a antiga cultura, digo moderno pelo fato de ser algo tão recente e ainda sim ter alcançado quase toda a sua totalidade mundial como meta bem sucedida, globalizando todo o conceito de vida feliz e satisfação interior transformando-os em mais um produto perecível disponível nas infindáveis e infestadas redes de Fest-food espalhadas por todos os lugares. Uma geração obesa, arrotando os padrões perfeitos e vomitando condutas e conceitos controversos e incongruentes que ponderam a favor dos filantrópicos da economia medíocre mundial, sobrecarregada por trocas abusivas de favores subjetivos aos interesses dos lobos vestidos de deuses, políticos, cientistas e gênios modernos.

Do livro( Eu, bilionário)

Wellington Lopes
Enviado por Wellington Lopes em 24/06/2014
Reeditado em 24/06/2014
Código do texto: T4856241
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