MINAS
De dia a companhia do sol, dos verdes campos e da passarada no milharal. De noite era a da lua que lançava seu olhar pelos trieiros sinuosos das fazendas, época que a palavra dita, valia mais que papel assinado. Tempo de “banhar” nos rios, de prosear com os “cumpades”, de provar as jabuticabas olho de boi no quintal. De tarde, “Barrer” as folhas secas e as tristezas da alma, brincar no giral e ao anoitecer pedir “bença” – que era para crescer. Senhor não estava apenas no céu, mas podia ser o pai, o avô, o tio. Ai se fizesse malcriação! Nem Ave Maria, nem Pai nosso salvava, tinha que pagar o pecado na base da tunda, na pisa, era surra mesmo! Assim estava acertado.
Lembro-me das grandes rodas de brincadeiras, das gargalhadas soltas, dos sorrisos vivos, problemas, só os dos outros.
Sentia o cheiro da mata molhada pelo orvalho, era o perfume da noite que nos inebriava, ouvíamos o som dos saltitantes grilos riçando suas pernas, como que agoniados, agitados porque o espetáculo não durava a noite toda. Nas casas velhas lamparinas acessas "alumiavam" a sala antiga dissipando a treva e por alguns instantes conseguia ver os rostos marcados pelo tempo e pela lida na roça, cicatrizes profundas da vida. O cheiro de querosene queimado ficava impregnado nas roupas e nos cabelos, a fumaça preta das velhas lamparinas desenhavam traços sombreados nas paredes amareladas.
Anciãos bebiam seus cafés, "pitavam" seus cigarros de palha perto do fogão à lenha, “aquentavam” suas mãos calejadas pelo esforço diário e contavam seus “causos” envoltos de coragem, como o da onça pintada que rugia perto do paiol espreitando a caça. O “causo” da capivara arisca que correu léguas atrás do valente, um cachorro velho, ainda tinha o jacaré que comia bezerros perto do rio São Pedro. Mas como os outros animais caçadores, encontrou seu fim na ponta de uma espingarda “fulobé”.
Ouvia sobre assombrações que moravam nas fazendas antigas, casas das almas penadas que reclamavam seu espaço nesse mundo, gemendo na madrugada e perambulando sem rumo apressadas, afinal, de dia sumiam todas, vai vê estavam descansando do serão.
Tempos de justiça alheia, onde nem a lei dava palpite. O negócio era na bala, essa servia até para defunto que não dormia e se não morresse de novo, não tinha problema, o que não faltava na região era “caboco” corajoso disposto a enfrentar tudo, até alma penada.
Marcelo Queiroz
17-01-13
01:30h