VASO QUEBRADO!

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Creio no riso e nas lágrimas como antídotos contra o ódio e o terror. (Charles Chaplin)

À Luiz Eron Castro Ribeiro, advogado, e os médicos Élio Ferreira da Silva e Dante Luis Garcia Rivera, com os quais sempre posso contar. Minha gratidão por serem meus amigos!

Meu vaso de rosas quebrou, mas com paciência, resignação e muita fé, recolho o resto dos cacos quebrados, do chão gélido de um centro de cirurgia, cheios de bactérias com as quais fui presenteado e vou reconstruindo com paciência, resignação e sabedoria a nova vida que me restou para viver, recuperando o que fora um dia um vaso e, novamente, depositar dentro dos restos que conseguir reconstruir para recolocar o perfume das rosas que cultivei no coração e entregá-lo a quem quiser recebê-lo, agora com cheiro ruim...! Meu vaso não era perfeito, mas ninguém é perfeito em seu todo. Contudo, desejo reconstruí-lo com o máximo de perfeição que Deus me permite fazê-lo.

De origem pobre, pais agricultores e analfabetos funcionais, porém sérios, honrados e honestos, desde a adolescência, busquei construir um futuro melhor. Minhas sandálias havaianas percorreram ruas de paralelepípedos na Manaus de outrora perdida nas lembranças que nunca mais voltarão e meu frágil corpo sacudindo no banco traseiro do ônibus de madeira da Santa Luzia/Boca do Incoboca, toda vez que deixava de circular em pista de paralelepípedo e passava para a de barro batido, em frente a empresa Amapoli, onde minha mãe trabalhou, no Morro da Liberdade. Como meu amigo Luiz Eron, também consegui meu castelo de sonhos, mas tudo desmoronou em 2006 quando sofri a primeira de 11 cirurgias no cérebro para tratar de um empiema cerebral, deixando o hospital infectado por duas bactérias incuráveis. No início, me desesperei e tratei de recolher com paciência e sabedoria os cacos que me presentearam do vaso que guardava minhas rosas perfumadas e tive que recomeçar tudo de novo, passo a passo, um degrau por vez na subida porque sei que posso despencar também se pular algum degrau de minha nova escada.

Meu corpo físico de hoje não lembra em nada o menino que transportava caixa de picolé, tambor de cascalho nas costas, sempre maior do que eu era, vendia velas e flores em porta de cemitério no bairro do Morro da Liberdade, em frente a casa do Sr. Panta, parado e parando os fregueses com velas, fósforos na mão e, de quebra, uma caixa de fósforo de brinde, mas me orgulho de tudo o que fiz, só não da surra que levei de minha mãe Josefa Costa por querer superar meu irmão Roberto Costa, que também vendia picolé, ao retirar dinheiro do caixa da mercearia que a família possuía no bairro da Betânia, voltar mais cedo para casa, devolver o dinheiro que era de minha mãe, mesmo recebendo parabenizações por vender mais picolé e voltar mais cedo para casa do que meu irmão!

O ônibus Santa Luzia/via Beco do Imboca, passava sempre em frente a Usina Triunfo, de propriedade do empresário Isaac Benayon Sabbá & Cia, e beneficiava pau rosa, copaíba e sova, mesmo depois do início da Zona Franca de Manaus, .onde meu amigo Luiz Eron Castro Ribeiro, começou a trabalhar aos 14 anos, também na década de 70. Estava retornando para casa, sujo de tinta de jornal no calção e feliz por ter conseguido vendê-los todos. A empresa, Usina Triunfo, que expelia fumaça negra de sua chaminé ao fundo, foi totalmente alagada pelas águas do Igarapé do 40 em 1976. Já se vão 40 anos decorridos em minhas lembranças e recordo tudo como se tivesse acontecido ontem.

Também gostava de pegar essa linha de ônibus só para passar em frente a Usina e procurar inutilmente meu amigo do Colégio Durval Porto, onde estudamos, com os olhos que ainda não se escondiam por trás dos 7,5 graus de cegueira. Hoje a Usina Triunfo foi transformada em uma Escola, talvez para ensinar como não se deve agredir a natureza com fumaça negra ou branca e nem jogar lixo nos igarapés. Nada podia ver, além da parede branca da fábrica porque embora meus olhos ainda não se escondessem por detrás dos óculos, eu não tinha visão de Raio X. Que pena! Ficava só imaginando o que Eron pudesse fazer dentro da fábrica, enquanto voltava feliz de mais um dia de trabalho, com dinheiro no bolso que economizava moedas para depositar na Poupança Socilar, uma das primeiras a surgir em Manaus, além da CEF que já existia, mas não podia abrir poupança porque ainda não possuía documentos, além da minha carteira estudantil do colégio Dorval Porto. Sempre economizei porque parece que eu previa o que me ocorreria hoje, quando mal tenho dinheiro para viver; hoje conto com o dinheiro de minha esposa para pagar algumas pequenas despesas! Como já afirmou Charles Chaplin: “a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios”. Eu não ensaiei. Vivi, trabalhei e estudei muito.

Hoje, mais maduro, experiente pelas besteiras e bobagens que fiz na vida, resignado, aceitei minha nova condição de vida, maduro sem os dois lados de meu crânio, que minha esposa insiste para que eu sempre saia com chapéu para não despertar curiosidade nas pessoas, que sempre perguntam: “isso foi acidente?” ou como uma garotinha na praça de alimentação do Manauara Shopping que, certa vez, em sua santa inocência, assim me perguntou: “por que tua cabeça está toda assim?” e eu tive que responder que tinha sido vítima de 11 cirurgias desde 2006, todas no cérebro e que passei a viver infectado por bactérias hospitalares, desde então. Também a ser como um inválido por muitos, pensador por alguns, escritor por outros e livre pensador por vários, sempre exigindo minha cidadania e reconstruindo com lembranças buscadas em lampejos de memória, o resto que ainda terei para viver. Meus sonhos e esperanças estão se esvaindo como o vento que sopra em meu rosto no calor úmido de minha cidade de Manaus.

Hoje, relembro isso com certo remorso, mas saudades também porque eu era feliz ao chegar em casa e depois poder jogar bola na rua com meus colegas. Ah, que saudade!

Agora olho para trás e vejo que faria tudo de novo, sem tirar nem por nada. Faria igualzinho. Talvez, porém, não tivesse feito as cirurgias, mesmo desaconselhado pelo e amigo e médico Élio Ferreira da Silva, que queria mais diagnósticos e ia quase todos os dias no Hospital para ver-me inerte, autômato, olhando para a parede branca do hospital e me dava conselhos para que eu não operasse. Mas como não operar, se eu estava surdo? Sinto saudade das vozes de meus alunos perguntando assuntos de Serviço Social, que dominava e ainda domino com maestria, mas não tenho mais condições de voltar a fazer palestras como fazia antes. A última e primeira que fiz foi aceitando convite da professora Darcy Amorim, mas vi que não consigo mais me expressar como antes fazia com prazer e orgulho porque eu assumo que sou assistente social, apenas com meu vaso de rosas quebrado e reconstruindo de novo minha vida.

Como disse sabiamente o cineastra e filósofo Charles Chaplin “a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termina sem aplausos”. Eu vivi a minha, não como gostaria, mas como eu precisava vivê-la e hoje recebo os aplausos pelo que escrevo, fazendo a alegria de muitos que me acompanham ao redor de 46 países!

carlos da costa
Enviado por carlos da costa em 23/06/2014
Reeditado em 23/06/2014
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