Na prisão

Na prisão, Rudolf é o número 32. Por coincidência, tem 32 anos, Rudolf. Foi preso por roubar um saco de farinha para alimentar seus filhos, que passavam fome. No país de Rudolf muita gente passa fome. No inverno, quando o frio é insuportável, as ruas ficam cheias de cadáveres congelados, a maioria de crianças abandonadas e velhos caquéticos. Às vezes demoram semanas para retirá-los.

Na prisão, pelo menos, Rudolf não passa fome. Sofre como um cão de sarjeta, apanha, é chamado de rato e verme de uma figa pelos guardas, mas não passa fome. Recebe uma ração diária de mingau, que o mantém de pé o suficiente para dar conta do trabalho forçado na pedreira doze horas por dia, quatro vezes por semana. Não tem notícia dos filhos. E é melhor que não tenha mesmo. O mais novo morreu ontem, de pneumonia, e o mais velho, coitado, é só pele e osso: não deve demorar muito... Quando souber disso, Rudolf sofrerá, mas o que fazer? Tem que aceitar. Aqui é assim.

Outra coisa que Rudolf não sabe é que o juiz que o condenou a cinco anos de prisão por roubar um saco de farinha já roubou, em um ano, o equivalente a dez milhões de sacos de farinha, e que o governador, só em três meses, surrupiou dos cofres públicos o equivalente a cinquenta milhões de sacos de farinha! E ambos estão agora em suas mansões, felizes e tranquilos, com suas famílias, planejando suas viagens ao exterior, seus negócios escusos, a compra de um novo prédio, de um novo lote, de uma nova moto importada, de um novo carro de luxo. Imagine quando Rudolf souber disso!

Pensando bem, quando souber disso, Rudolf não fará nada. Não é da índole desse povo se organizar e encabeçar mudanças, ser dono do seu próprio destino. Às vezes reclama, faz uma ou outra passeata, quebra uma coisa aqui, outra ali, mas depois se acalma, abaixa a cabeça e engole seu caldo podre e amargo de vida sem chiar. É a índole do povo...

Com certeza Rudolf não fará nada.

É inverno no país. São três da tarde. O frio é cortante. Rudolf e outros prisioneiros se encontram no pátio da prisão, entre quatro paredes de pedra, caminhando em círculo, um, dois, um, dois. Hoje não vão à pedreira. Daqui a pouco comerão sua ração de mingau.

Lá fora, no cemitério, mortos de fome são enterrados aos montes em covas e valas comuns, dentre eles o filho de Rudolf, de seis anos, que queria ser condutor de bonde quando crescesse...

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 22/06/2014
Código do texto: T4854779
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