Como as coisas eram
- Então você que é o Henrique? Ah, mas é uma criança ainda. Senta aqui pra gente conversar. Você gosta de ouvir essas coisas de antigamente né? Caso raro, menino. Porque a gente não tem com quem falar, a não ser com os outros velhos. Só que eles vão morrendo. Do meu tempo tem poucos. Semana passada eu fui a dois enterros. Um foi o do velho Bubi. Esse você não deve ter conhecido. Era casado com uma prima minha, que já morreu faz muito tempo. Aliás, não posso esquecer, amanhã é a missa de sétimo dia dele... Isso também é uma coisa que mudou bastante né? Missa. Hoje não tem mais isso de ir todo domingo na igreja. Pessoal não respeita mais. E às vezes nem quem vai respeita direito. A juventude de hoje é diferente. Você sabe que na rua de cima tem um colégio, né? Cinco horas, a calçada aqui vira um inferno. Eles descem a rua em bando e se a gente tiver no caminho acaba arrastado. Se a gente encontra eles na calçada, quem tem que descer é a gente. Não é fácil... Mas a mãe fez bolo pra nós. Tem cuque também. Esse é da festa da igreja. Meu filho que comprou. Ele deve passar por aqui daqui a pouco, aí você conhece ele também. Se fosse ontem, você ia conhecer a minha filha. Eles tão sempre por aqui, ajudam a gente com essa coisa de médicos, remédios... coisas de gente velha! Mas eu gosto mesmo é quando todo mundo tá junto. Natal, Ano Novo. Antigamente a gente fazia um almoço aqui, mas hoje a gente não dá mais conta. Aí vai todo mundo pra um restaurante. Faço questão de pagar a conta. Os outros não querem, mas eu pago com alegria... Eu falo bastante, né? Você não ligue, às vezes começo e não paro mais. Mas coma mais! Quer mais suco? Depois quero te mostrar o álbum do papai. Pode ser que te interesse. Ali na parede tem uma foto nossa. Mamãe teve treze filhos. Parece loucura hoje em dia, né? Às vezes dá uma saudade de como as coisas eram. Parecia que tudo caminhava mais devagar. Mas o que se pode fazer? Passou o nosso tempo. Passou, o nosso tempo...