Crônica do herói (FASE 1)

Estava sentada em frente ao computador, trabalhando em uma revisão de texto e dois dos meus netos estavam na copa (não é a Copa do Mundo, mas uma dependência da casa), sentados no sofá e muito interessados na TV. O interesse era tanto que eu notei pela indisciplina da discussão. Incontinenti (gostou deste termo erudito?), me levantei da cadeira e fui ver o que acontecia. Comecei a dizer algo sem que soubesse ainda do contexto que alterava o comportamento dos dois netos. Aos poucos, perguntando, investigando e aplicando algum tipo de método, fiquei sabendo que o aparelho ligado à televisão era um videogame e que o que estava na tela era um jogo. Como não entendo de jogos em videogames, resolvi me sentar no meio, entre os dois jovens. Bancando a educadora, me intrometi, o que foi um bafafá. Saia, vó. Saia daqui, tá atrapalhando. Vou perder, saiaaaaaaaaa! É mesmo o quê? Saia, vovó. Saio nada! Aqui mando eu, a TV é minha, o sofá é meu, o ar que respiramos também. E mais, eu acredito que uma democracia exige um tantinho de ditadura. E continuei atrapalhando o jogo. Resolvi prestar atenção, pois não faltam notícias sobre até filhos que matam pais em virtude de jogos. Ah, ninguém vai me matar e daqui não vou sair, fiquei falando como gente chata que já viu o filme e conta o final. Pare, vó. Pare, vovó. Na tela vi um rapaz metido numa jaqueta de napa dessas que vendem no bairro do Brás, em São Paulo. Era um desenho, mas que impressionava pela semelhança com pessoas reais. Só notei a diferença porque ele se movimentava como um canguru, aos pulos. Esse personagem estava andando, pulando ou correndo naquelas cenas. Depois de muito andar ele achou uma moto e pulou pra cima dela, saindo em desabalada carreira. Vixxxxxxxxxxxxeeeeeeeeeeeeee, Matheus. Duduuuuuuu, pra onde ele vai nessa pressa toda? Me fiz de inocente. Eles logo se prontificam a ensinar pensando que adulto é tolo. E se pensam, eu contribuo, pois assim descubro as manhas. Ele está em uma missão, disse Dudu. Missão de quê? Ele vai salvar alguém? Ah, vovó, não fale porque assim eu vou perder a fase. Que fase? Esta, da missão. Lá ia o motoqueiro por uns campos, uns montes, subindo, descendo, passando por cima de arvoredos, pulando buracos na estrada de barro. Poxa, Teteu, esse rapaz vai ser acidentado. Que nada, ele é o herói. E eu esperando os atos de heroísmo. A moto voava por toda parte até que entrou pela cidade, ultrapassava todos os automóveis, caminhões, o que viesse pela frente. Vixxxxxxxxxxxxxeeeeeeee, meu Deus, ele tá doido. Quebrava postes, placas, atropelava pessoas na calçada, meteu a moto por cima de uma fila de pessoas que estavam em um ponto de ônibus. MEU PAI DO CÉUUUUUUUU, esse rapaz não pode ser um herói, vou desligar tudo isto. Não, vovó, ele é do bem. Que bem que nada, ele é um bandido. Isto sim. Até ali nada acontecia a ele, mas, as pessoas que ele atropelava, caíam em poças de sangue. Ele, nem um arranhão. Meninosssssssss, esta peste é um bandido. Né não. Foi aí que a moto dele entrou por uma espécie de floresta. Vinha um leopardo. Epaaaaaaaaaaaaa, que bom, tomara que esse leopardo acerte esse bandido. Os meninos manobraram o videogame para que o rapaz escapasse. Escapou. Daqui a pouco, a moto sofreu uma avaria. Torci novamente, agora sim, ele vai quebrar a cara. De repente, chega em um local onde havia duas motos, o personagem sobe em uma delas e parte em toda a velocidade. Dudu, de onde surgiram essas motos? Esse rapaz é um ladrão. Nada, a moto é dele. Nova fase. Mas eu tinha que cumprir a missão pedagógica.

Agora, meu (minha) leitor (a), espere a segunda fase. Volto logo.