ANIMAL DIZ CADA COISA V

e souza

Lucivaldo que era filho mais velho de Luciana e Reginaldo, (não me perguntem de onde veio a letra ‘V’), teve a brilhante idéia de ganhar muito dinheiro com seu cão falante, é verdade, o cachorro falava de tudo com muita fluência e português perfeito. Ele fez anúncios em jornais, revistas, periódicos da cidade toda e nas emissoras de tv’s do país todo. No dia seguinte havia no mínimo umas 300 pessoas na porta da casa, lá em Governador Valadares. Gente do mundo todo veio para ver o cão que fala, havia repórteres na rua toda, tinha até um de cabelos brancos, (qual é mesmo o nome do jornal que ele trabalha?). As ruas foram interditadas, barreiras foram formadas, só entrava gente do alto escalão Federal, Estadual e Municipal, o pessoal da imprensa estrangeira estava em peso. Lembrei! Jornal New York Times e tem outro do Washington Post. Dois helicópteros sobrevoavam a cidade e a casa do cão. Tinha gente de Brasília, de Gol, de Passat, de carro importado, mas os nacionais eram a maioria. Veio um pessoal lá do Planalto Central, alguns ministros de estado, estes vieram de ônibus fretado pessoalmente pelo presidente, é claro que esse frete foi pago com o nosso dinheiro, mas era por uma causa justa. A multidão aumentava a cada minuto e em pouco tempo já eram 500 pessoas e vinha chegando mais. O curioso é que a rua virou um rio de gente e barraquinhas de tudo que se possa imaginar para comer, beber e vestir. Tinha barraca que vendia camisetas com a foto do cão, de frente, de lado e de costas, havia também um time de futebol local que seu presidente fez questão de trocar de nome, passou a se chamar ‘AFC – Animal Futebol Clube’. Toda aquela gente se engalfinhando para ver e ouvir o cão, já passava de duas mil pessoas e o bairro foi interditado pela Defesa Civil e pela policia de transito, o pessoal da policia federal estava interceptando veículos não autorizados que tentavam entrar na cidade. O pessoal da prefeitura, imediatamente improvisou um palanque para receber as autoridades do país todo e o Prefeito aproveitou para fazer um pronunciamento improvisado e chamou até a oposição para dividirem o palanque, já que naquele momento deveriam esquecer as diferenças políticas para o bem da cidade e de seus filhos ilustres, o cão e seu dono, que estavam trazendo divisas e fazendo o aquecimento do comércio local e isso significava renda para o município, que andava meio caído. As pessoas se perguntavam: ‘quando ele vai aparecer?’ Sobravam especulações: ‘dizem que o cachorro sabe todos os números do próximo sorteio da mega’, ‘será que ele vai dizer quem matou a Thais da novela?’ ‘ele vai dizer o presente, o passado e o nosso futuro.’ ‘segura peão, que vem podre por aí!’ As pessoas iam e voltavam e já não cabia mais ninguém na rua, pois já passava de 10 mil pessoas, mas o quintal da casa estava reservado para o pessoal da imprensa, do governo e do município. O Prefeito, não queria largar o palanque, nem com reza braba! O calor era insuportável, quem lucrou com isso foi o sorveteiro que havia uma semana que não vendia nada. O Corpo de Bombeiros foi chamado, mas tinha umas e outras que queriam mesmo era ver o ‘corpo’ do bombeiro, jogavam água para refrescar as pessoas que cantavam canções dos Beatles, Roberto, Chico, Jorge e dos artistas da região. Um sanfoneiro improvisava canções e rodinhas se formava em torno de um senhor com uma bíblia, que dizia em altos brados: ‘meu amigo e minha amiga é o final de tudo, vão embora para suas casas, porque isso é coisa do ardiloso, boi-zebú, coisa ruim e porque não dizer; do cão chupando manga.’ Chegou a hora, o cão seria apresentado ao mundo, ao som de uma fanfarra saiu da casa o homem e o cão que naquele dia pela manhã foi ao pet para ter um ‘dia de cão’, quero dizer ‘do cão’. O homem não parava de sorrir satisfeito olhando para as câmeras. Quando conseguiram tirar o Prefeito do palanque, ele foi o primeiro a ser cumprimentado, os aplausos ecoavam nas orelhas do cão. Os microfones foram posicionados na altura da boca do cachorro e um de lapela para seu dono. Lucivaldo ordenou que o animal se sentasse e foi obedecido prontamente. O silêncio tomou conta de quase todo o bairro, era possível ouvir as moscas. O homem cumprimentou a todos e em seguida pediu ao cão que cumprimentasse os presentes, o silêncio ficou maior ainda e o cão não soltou um só ruído, seu dono respirou profundamente e fez nova tentativa, mas o cão só olhou para os lados, mas não disse absolutamente uma só palavra. – Fala rex... Fala com o papai... O rex só olhava fixamente seu dono. Após alguns minutos a multidão foi se desfazendo aos poucos e podia ouvir alguns comentários: ‘esse cachorro não fala nada.’, ‘isso é só balela.’, ‘como fui cair nessa?!’, ‘esse cara é louco de pedra.’, e tantos outros comentários que não ficam bem dizer aqui. A fanfarra começou a tocar uma música para animar a multidão, o Prefeito prometeu tomar providências legais contra o homem que zombou do Poder Público com falácias e cantilenas enganosas. A oposição desceu a lenha no Prefeito, dizendo que ele os expôs ao ridículo e que o Congresso ficaria sabendo do ocorrido, o representante do Presidente prometeu tomar providências e abriria uma CPI para apurar responsabilidades, o delegado também não ficou atrás e foi logo dizendo: ‘tantos crimes para a policia coibir e esse cara fez todo mundo de tonto!’ Foram todos embora, antes porém, o homem foi quase linchado, mas a policia o protegeu e o colocou para dentro de casa junto com seu cão, que é completamente normal e não fala. Ele se sentou na mesma poltrona onde era acostumado a conversar com o rex, olhou para o bicho e desabafou: - Eu estava ficando louco mesmo, você não fala e nunca falou! Sai daqui e vá para o quintal, esta noite as estrelas serão seu teto. O cão se levantou e foi saindo com orelhas arriadas, rabo entre as pernas e quando chegou à porta deu uma última olhada para trás e resmungou: - Também com toda aquela gente, fiquei com vergonha.

e-mail: edsontomazdesouza@gmail.com

E Souza
Enviado por E Souza em 19/06/2014
Reeditado em 13/10/2014
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