Cultivando folhas

Sabia que seria um desafio a mais encarar o branco do alinhamento digital em que, humildemente, ponho meu coração, novamente, ora, agora eu posso dizer que tenho mais responsabilidades, ouço piadas, perco limites, extravaso amarguras onde quiser... Mas por quê ficou tão difícil encher de palavras a alva folha, acho que enfrento uma crise de maioridade gráfica, ou seria um desemprego conjuntural que atingiu a minha classe..? Acredito mesmo é na insistência, talvez utopia, dos que continuam como eu a cultivar seu jardim sem os agrotóxicos que vendem por aí.

Não sei se já disse o que pretendo comparar, mas penso e gosta de pensar que nossa vida é como um jardim, em que, a cada ano ganhamos mais uma flor, sendo essa dada conforme o cuidado das outras preexistentes... Pois é, eu devo ter ganho um desses cravos baratos, e que belo cravo, marcando minha quimera adulta. Para quem um dia cultivou de muitas ervas daninhas e, por vezes, colheu mesmo chorosas cebolas torna-se esperançoso demais colher algo que não seja um trevo de quatro folhas, um cravo mesmo está ideal. Acredito que fui agraciado aos meus 18 anos com uma flor barata mesmo, que é pra me livrar desse capitalismo arrebatador que me cerca, e pra mostrar que só poderá cultivar um dia lírios aquele que souber podar grama... Enquanto não tenho capacidade suficiente olho admiradamente os lírios do campo dos outros.

Não posso afirmar que tenho dedo verde, posso até clamá-lo de vermelho, de suor, tentativa, calos, bolhas, cortes mesmo, existem tesouras afiadas demais por aí, cuidado jovens jardineiros( a idade já me fez começar a aconselhar os mais novos...). Prefiro ser esse dedo insistente, o dedo da experiência, as mãos calejadas de quem já errou, um empirista que deu certo, e já arranjei até vaso para tal cravo de meu natal... Escolhi não o mais caro, mas o mais trabalhado que pude fazer, um quente o suficiente para retirá-lo da frieza mundana e aconchegante demais para se expor à noite.

O motivo, para mim, ainda é desconhecido, prefiro jogar a culpa no destino, ou em algo mais aleatório como o acaso, meu cravo não ficou o mais exposto no jardim, mas sim no canto, que é pra ser admirado por aqueles que gostarem das gramas primeiro, tenho que me cuidar, só deve ter acesso ao meu cravo quem passar por minhas cebolas, ter a calça cheio de carrapichos, deve ter o prazer de desfrutar de meu primeiro cravo.

Esse meu quintal a que nomeei de jardim já viu tempos de seca, outros transbordou água, de regadores que não eram só meus e ei-los aqui, a tecnologia leva os terrenos dos meus lados a florescerem rápido e ordenadamente... Chegando até a fazer sentido, marcando tempo, pressentindo colheitas... Viva o adubo! Por vezes me sinto invadido sonoramente pelo ensurdecedor trotar dos tratores e colheitadeiras e sementeiras, não largo a minha enxada e mãos por dólar nenhum. Ora, onde já se viu cultivar soja onde não se cresce grama? É tudo muito surreal para eles, acho que sou ultrapassado mesmo, daqueles que já sente o peso da idade sentir na coluna o eu corcunda que não larga a enxada.

E, para aquele que já regou o puro chão, ver nascer nem que seja capim queimado é extasiante, para aqueles que pensam em ter filhos e já fazê-los cultivar de roseiras, pobres jardineiros, até ditado para isso já se tem:”Jardineiro bom não se faz com roseiras prontas”. Então prefiro continuar com meu preciosismo, que me atem a rituais de colheita, dança da chuva, orações, nenhum desses adubos a de me satisfazer a surpresa de, com os olhos ainda remelados, poder ver, ainda tímido, um botão de rosa florescer em meu jardim, esse mesmo que já foi de cebolas... É tudo muito manual ainda em meu quintal. Não posso ser hipócrita de dizer que tenho o jardim mais bonito, tento fazer do meu o mais esforçado, ou quiçá o mais cansativo, sabe, admirar o dos outros é bom, mas tento focalizar o que é meu, o resto é sombra de árvores alheias.

Gabriel Amorim 18/06/2014