UMA RUA DESENCANTADA
Quintana a rua onde eu moro não é encantada, tem dias que ouço os sinos da igreja, dificilmente ouço de duas simultaneamente, outros dias não ouço nada. Quem manda na melodia dos sinos é o vento, dependo dele e de sua velocidade.
Os padres nem sabem que me torturam, quando espero os sinos e eles não chegam.
O mesmo vento que acaricia meus ouvidos as vezes traz dor e sofrimento, das gritarias nas rebeliões e gritos de agonia no presídio feminino.
Hoje não foi nada disto, nesta noite fria e de garoa que penetra à alma, uma gritaria de ódio mesclada com dor e suplica invade meus ouvidos. Nas cidades grandes você dificilmente conhece o vizinho do outro lado do muro. Nestas gritarias que vem e vão como se fosse uma estação de rádio de ondas curtas, ninguém ouve, pois estão atentos à televisão.
Parece que na outra rua um pai transtornado gritava para que o filho fosse embora e pelas palavras jogava os seus pertences na rua. A voz parecendo ser de um jovem suplicava, pedindo que o pai se acalmasse, outra voz, provavelmente da mãe implorava, para que o pai não fizesse aquilo com o próprio filho, mas o pai irredutível afirmava que ele não podia ficar ali, servia só de mau exemplo às irmãs e não era a primeira vez que aparecia machucado e que não queria estar por perto o dia que metessem uma bala na cabeça dele.
A voz feminina misturada ao choro das meninas suplicava por uma oportunidade, pois o rapaz estava machucado e lá fora chovia e fazia frio, concomitantemente o jovem dizia que havia corrido da polícia e caído, quando participava de uma manifestação para mudar o Brasil.
Assim como os sinos, as vozes foram sumindo e perderam-se na noite, então fiquei pensativo tentando entender como os seres humanos não conseguem ser felizes, nem o rapaz, nem o pai, um pela teimosia o outro pela intransigência.
As mães são especiais e conseguem perdoar, mesmo correndo o risco de que os filhos repitam as tolices, elas não merecem filhos assim e nós muito menos podemos torcer que os filhos dos outros sejam maus.