UMA HISTÓRIA DE AMOR E CARRO

Certo dia, em uma das minhas aulas na autoescola, o instrutor repreendeu-me por passar a marcha com muita força. Ele disse: o carro não aguenta dessa forma, não precisa pôr tanta energia. No fim da aula comecei a refletir. Realmente estava a colocar muita energia em algo que precisava de leveza.

No entanto, comentando com um colega sobre como eu estancava toda vez que soltava a embreagem, fui novamente repreendido com a seguinte afirmação: “você tem que sentir o carro, você deve soltar aos poucos, com leveza e acelerar na mesma proporção”. Olha que engraçado, a vida nos ensina a todo tempo. Como uma máquina pesada, cheia de engrenagens, motor e várias parafernálias me pede para que eu a sinta, para que eu seja leve; como um carro, algo sem vida pode requisitar de mim sensibilidade? Descobri que a resposta é simples. Há uma conexão entre mim e o carro. Ele segue os meus comandos, a minha direção, o meu ritmo. No entanto, eu tenho que respeitá-lo, tratá-lo com “carinho”, sentir o seu pulsar, entender sua dinâmica.

Há um relacionamento homem e máquina, máquina e homem. Um auxiliando o outro, um protegendo o outro. Existe comunicação. Existem terminações nervosas que interferem em terminações elétricas. Existe sensibilidade. Quantas vezes meu instrutor falou: “escute o carro, e quando ele pedir você põe a marcha; sinaliza para direita ou esquerda, frei levemente, diminua a velocidade nas curvas, e numa ladeira quando o carro tremer aí sim, você solta o freio de mão e acelera”. Carro e homem em um relacionamento que apela para os sentidos. Veja, ouça, sinta, alerte. É dessa forma que entendo o porquê de nos desgastarmos em nossas relações humanas. Pois assim como os carros as pessoas tem um ritmo. Elas precisam ser sentidas, ouvidas, aconselhadas. Geralmente você impõe um ritmo, engata tanta energia e não escuta o que o outro disse. Às vezes o outro reclama, porque você foi rude e aí, estanca, empaca, deixa você ir só, a pé. Mas aí, para o relacionamento emplacar e seguir percurso, você pega leve, ao tempo que aconselha também acelera, e muda de atitude, e melhora, progride e o diálogo flui.

Até que um dia você nota que o combustível está na reserva, e percebe o quanto é arriscado para você e o carro, permanecerem nesse estado. Pois ele vai parar, o óleo vai queimar, haverá prejuízos. O correto agora é empregar tempo e recursos só para abastecer o tanque. É interessante notar que quando o combustível está acabando o carro alerta. Em seu painel as luzes piscam, o ponteiro desce e você sabe o que tem de fazer. Por ser algo interno do veículo, não é possível saber quando o combustível está a terminar. Da mesma forma acontece entre nós humanos. Nessa estrada da vida, seguindo caminhos íngremes, levando chuvas e dias de sol, lidando com motorista de vários ânimos, chega um dia que vamos perdendo o desejo, o ânimo esmorece, a motivação enfraquece, o amor adormece.

Então eis que chega o momento crucial. O momento que define se paramos ou prosseguimos. O momento em que paramos e empregamos tempo e recursos no relacionamento. É o momento de alerta, de abrir a boca, de dialogar. Hora de sentar e desabafar, dizer que não há forças, energia, graça. Dizer que estamos na reserva e que se não tomarmos uma atitude, seguiremos caminhos opostos. Motorista sairá sem carro, e o carro sem direção. Um sairá a pé, enfrentando a chuva e o sol, sem a proteção de um carro. E o outro sairá prejudicado, possivelmente com o motor danificado e com problemas internos. Um perderá o outro. Não haverá mais identificação, pois não há marcha que exija leveza, embreagem para ser sentida, motor para ser ouvido, não haverá comunicação, sensibilidade, proteção. Motorista sem carro, e carro sem motorista, um não precisará se preocupar com o outro, pois agora são independentes, sem preocupação, sem sensibilidade, sem tempo e recurso para ser gasto.

Mas eis a pergunta, então porque carro e motorista um dia se encontraram? Simples a resposta; o motorista queria cuidar e o carro queria ser cuidado. Porém, cuidar exige esforço, sacrifício, renúncia. E ser cuidado exige paciência, perseverança, aliança, respeito. Carro e motorista, um precisa do outro, um serve ao outro, há dependência. Motorista lava, pinta, abastece, e o carro funciona e vai em frente. O carro alerta, pede marcha, pede direção, pisca, fala, grita, porque o motorista é bobo, e precisa de sinais, e sinais bem claros. Motorista é bobo, tem que olhar pra frente, ele pensa que controla, mas no fundo ele é controlado. Pois sem carro não há motorista, sem acelerador o carro é inútil. O motorista só existe, porque o carro existe. O carro é quem da vida há um motorista. No entanto , quando o carro encontra um dono, ele se torna seu pra vida inteira. Porém se houver displicência do motorista o carro desgasta. E o carro só desgasta com a displicência do motorista.

Mas voltando um pouco a história, o que acontece quando as coisas fluem no seu ritmo correto, quando o carro sinaliza sua deficiência energética (ou falta de combustível) e o motorista emprega tempo e recursos para abastecer o tanque? Outra resposta simples: a vida continua. O carro abastecido, o motorista contente e um relacionamento dinâmico. Mesmo que às vezes o motorista necessite estacionar, o carro estará sempre ali, cheio de gás, limpo e esperando para ser usado. E o motorista inteligentemente, sempre buscará seu automóvel, comunicando-se com ele, sentindo-o e cuidando.

“Porque na estrada quando se caminha, os pés se machucam, não há companhia, mas dentro de um carro se vai mais distante, se chega mais rápido, levando carona. É mais divertido estar dirigindo, curtindo a paisagem e sendo feliz.”