Até o chocolate da Holanda

Garota esquisita. Normalmente se veste de preto, às vezes com uma camiseta de banda de metal. Na sobrancelha direita, um piercing. Também não é muito de conversa: chega e vai logo se sentando diante do seu computador. Quando falam com ela, responde de forma meio ríspida, para não dizer maldosa mesmo. Estou para dizer que a sua própria cara é de gente ruim: é difícil ver um sorriso aberto. Praticamente só se levanta para pegar café, que deve ser o seu vício. De resto, fica fazendo em silêncio os seus trabalhos de design, que é coisa que eu não entendo e nem me meto. Minha cadeira é justamente ao lado dela. Às vezes estico os olhos para ver o que ela está fazendo. Sinto que ela percebe, e presumo que isso não lhe agrade. Mas não me diz nada, e tampouco eu sinto vontade falar alguma coisa.

Veio a Copa do Mundo. Também nós no trabalho preferíamos ficar em casa assistindo aos jogos, mas só nos dão folga mesmo em dia de Brasil. Por sorte alguém arrumou uma televisão, então podemos pelo menos olhar para ela quando escutamos um grito de gol. Não temos lá grandes entendidos em futebol, mas percebi que a garota esquisita era uma das que mais se interessavam pelo que acontecia na televisão. Eu também mal desgrudava os olhos da tela, mas nem por isso puxávamos conversa.

Isso até o chocolate que a Holanda deu na Espanha. Aquilo foi tão inesperado e nos deixou de tal forma excitados que não resistimos: conversamos um com o outro. Foi quando descobri o impensável, ou seja, que ela gosta e entende muito de futebol. Tem inclusive os seus palpites sobre quem irá passar de fase em cada grupo. Apresentei-lhe os meus, que são diferentes. Cada um desdenhou dos palpites do outro, como fazem todos os que discutem futebol. Fizemos até uma pequena aposta. O jogo acabou e nós continuamos conversando. Pelo visto teremos assunto por mais um mês. Eu e essa garota esquisita, silenciosa, metaleira, viciada em café, com cara de gente ruim. Uma gatinha.