O homem e o pit-bull
Da janela do meu apartamento vejo, todas as noites, ele chegar. Dizem que tem uma certa cultura, que já teve bons empregos e sabe até falar francês, aprendido com um velho tio.
Um dia o despediram e ele não conseguiu mais uma colocação. Perdeu a casa, o carro, os móveis, a família e, por último, o juízo.
Ele usa um paletó imenso e uma calça rasgada, segura por uma fita colorida. Metade de suas nádegas estão à mostra. Traz nos pés um par de sapatos, solas já está pela metade. Acompanha-o seu vira-lata, magro como ele e pequeno como um filhote, embora já seja adulto. Ele, no entanto, não perde a dignidade. Chega mais ou menos à mesma hora e procura se abrigar embaixo da marquise do edifício em frente. Tira do saco plástico um jornal, lê as notícias e se detém em algumas que sublinha com um toco de lápis. Logo chega a hora de fazer a cama. Forra o chão com os classi-ficados. Com uma colcha que, um dia foi branca, ele transforma aquele pedaço de rua em seu dormitório. Acomoda a sacola com o restante das tralhas para servir de travesseiro, reza e se deita. O cachorro se acomoda, aproveitando o vão que as pernas de seu dono fazem, e parece tranquilo até que ouve um ruído, talvez um rato. Ele corre desesperado atrás da presa fácil, mas no afã de agarrá-la, atravessa a rua e quase é atropelado por um carro. O homem se assusta e grita para o cão: Pit-bull, você não sabe que não pode correr pelo meio da rua? Você está ficando maluco, cara? O cão, que nem de longe lembra essa raça tão temida, abaixa a cabeça, se aconchega novamente, quase pedindo desculpas ao seu dono, e tenta dormir.
- Fica tranquilo, lhe diz o homem, nada vai nos acontecer porque nós somos filhos de Deus, mas não fica dando mole pro azar não, viu?
Fico a me perguntar o porquê de um ser humano ter que chegar a tal situação.
Má distribuição de renda, dirão uns. Ignorância, dirão outros, ou ainda que é destino, que está pagando algo de uma vida passada, etc. Cada um arranja uma justificativa para aceitar aquela situação. Estamos nos acostumando a ver essas cenas e parece já não incomodar a ninguém. Eu, no entanto, não me conformo que um ser humano tenha que dormir na rua, botar a cara onde os outros põem os pés. Dormir e até sonhar que é um príncipe ou um rei e, ao acordar, ver que estava dormindo ao relento. Quando será que isso vai mudar no nosso país? A resolução do problema seria educação e emprego para todos. Não bolsaesmola para uma parte da população que se acomoda enquanto a outra trabalha para sustentá-la.
Da janela do meu apartamento vejo, todas as noites, ele chegar. Dizem que tem uma certa cultura, que já teve bons empregos e sabe até falar francês, aprendido com um velho tio.
Um dia o despediram e ele não conseguiu mais uma colocação. Perdeu a casa, o carro, os móveis, a família e, por último, o juízo.
Ele usa um paletó imenso e uma calça rasgada, segura por uma fita colorida. Metade de suas nádegas estão à mostra. Traz nos pés um par de sapatos, solas já está pela metade. Acompanha-o seu vira-lata, magro como ele e pequeno como um filhote, embora já seja adulto. Ele, no entanto, não perde a dignidade. Chega mais ou menos à mesma hora e procura se abrigar embaixo da marquise do edifício em frente. Tira do saco plástico um jornal, lê as notícias e se detém em algumas que sublinha com um toco de lápis. Logo chega a hora de fazer a cama. Forra o chão com os classi-ficados. Com uma colcha que, um dia foi branca, ele transforma aquele pedaço de rua em seu dormitório. Acomoda a sacola com o restante das tralhas para servir de travesseiro, reza e se deita. O cachorro se acomoda, aproveitando o vão que as pernas de seu dono fazem, e parece tranquilo até que ouve um ruído, talvez um rato. Ele corre desesperado atrás da presa fácil, mas no afã de agarrá-la, atravessa a rua e quase é atropelado por um carro. O homem se assusta e grita para o cão: Pit-bull, você não sabe que não pode correr pelo meio da rua? Você está ficando maluco, cara? O cão, que nem de longe lembra essa raça tão temida, abaixa a cabeça, se aconchega novamente, quase pedindo desculpas ao seu dono, e tenta dormir.
- Fica tranquilo, lhe diz o homem, nada vai nos acontecer porque nós somos filhos de Deus, mas não fica dando mole pro azar não, viu?
Fico a me perguntar o porquê de um ser humano ter que chegar a tal situação.
Má distribuição de renda, dirão uns. Ignorância, dirão outros, ou ainda que é destino, que está pagando algo de uma vida passada, etc. Cada um arranja uma justificativa para aceitar aquela situação. Estamos nos acostumando a ver essas cenas e parece já não incomodar a ninguém. Eu, no entanto, não me conformo que um ser humano tenha que dormir na rua, botar a cara onde os outros põem os pés. Dormir e até sonhar que é um príncipe ou um rei e, ao acordar, ver que estava dormindo ao relento. Quando será que isso vai mudar no nosso país? A resolução do problema seria educação e emprego para todos. Não bolsaesmola para uma parte da população que se acomoda enquanto a outra trabalha para sustentá-la.