Morre-se (Ainda) de Amor: um caso entre Gina e o Encantado

Percebeu-se que a pequena área de serviços passou a ser visitada por pássaros. Primeiro pardais; as flores em pequenos vasos trouxeram espécies várias de beija-flores; e as migalhas de pão, que se jogava para os cães do vizinho, as rolas, pombas.

Cada espécie com suas peculiaridades. Interessa-nos aqui o comportamento das pombinhas. Elas vêm aos pares, casais. São pacientes com o companheiro que ainda come mesmo que o papo já esteja cheio. São lerdas e quando assustadas voam desordenadas sem perceberem os obstáculos. Suas preocupações são exclusivamente com o que lhes causou o pânico – não importam, por exemplo, se atrás de si ou aos seus lados há paredes ou barreiras.

Levou-se o lixo acumulado para a lixeira pública depois de demorada faxina. Tempo suficiente para a vinda de todos eles, os pássaros de espécies várias.

Retornou-se para a área de serviço. Havia outras tarefas a serem realizadas ali. Como se chegou de supetão a passarinhada voou fugindo. Menos uma pomba que com o susto bateu no limite que o muro lhe impunha e que separa as casas: a das flores e a dos cães. A pombinha foi encontrada morta e flácida: asas entreabertas e pescoço que girava a cabeça frouxa à medida que se tentou reavivá-la. Nada adiantou. Uma das pombas agora voaria solitária. Voaria...

No dia seguinte ao se dirigir à garagem lá estava aquela que ficara ímpar: igualmente morta. Desta vez não houvera susto e nem revoada. Apenas uma pomba morta caída ao chão. Hipótese: morreu de solidão e paixão: não suportou nem vinte e quatro horas a ausência da companhia dileta.

Lembrou-se da prima Gina.

Contava-se no seio familiar que Gina tivera um namorado. Quando este recebeu a notícia que ela encantara-se por outro rapaz, foi e se matou. Não suportou a traição dos sentimentos e interesse de Gina.

Gina casou-se com o Encantado. Tiveram filhos. E aonde o Encantado ia Gina o acompanhava. Ajudava-lhe em tudo, até nos empreendimentos da vida.

A vida passou. O casal chegara à meia-idade e o filho, claro, tornou-se homem feito lutando pela sobrevivência e por seu amor também.

Gina aos cinquenta e pouco morrera de câncer. O Encantado não se fez de desencantado. Não suportou a ausência de Gina: não lhe bastavam as fotos antigas. Ao contrário, estas lhe traziam amarga saudade de dias ensolarados. As fotos e lembranças atiçavam a depressão do eterno Enamorado que ficara viúvo. Nem o filho ou remédios ou outras companhias lhe foram suficiente para salvá-lo da profunda melancolia: morreu-se de desgosto pela vida e de paixão por Gina falecida.

Ainda se morre de Amor? Prefere-se a morte ao risco da aventura com outro alguém? Teme-se tanto a solidão que se morre junto também?

O que realmente acontece entre os apaixonados?

O coração parte. Morre-se de coração dividido. E não é à toa que o símbolo da união estável e do jargão “até que a morte os separe” seja o casal de pombos carregando alianças. No caso de Gina e o seu Encantado, nem a Morte conseguiu lhes separar.

O casal de pombos acima e de Gina e o Encantado a morte os conduziram ao fim: a união em Morte, já que em vida as uniões não são para sempre – viuvez é só para aquele que morreu, sentencia o clichê.

Leonardo Lisbôa,

Barbacena, 11/06/2014.

Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 16/06/2014
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