BOLA DE MEIA
É goooooooool É gooool minha gente!
E a menina, para alegria dos fanáticos torcedores, passou feito um foguete por entre os três paus indo morrer, toda enrolada, lá no fundo das redes.
A bola, esta enfeitiçada, tem muitos nomes e é a paixão incontida e violenta de muita gente. É a menina; é a pelota; É a gorduchinha; É a redonda; É a esfera; E no meu tempo de guri, era simplesmente chamada de capotão.
O capotão que hoje chamamos carinhosamente de bola de futebol, é mais antigo que o próprio homem na terra. Já se tem notícias de que os deuses, na criação do mundo, nas horas de folga jogavam futebol; Usavam os astros como bola. Sem as regras da FIFA acabou dando muita encrenca; Os deuses se engalfinharam em luta universal. Quem ganhou, ou quem perdeu não sei, mas acabaram se separando, e as bolas ficaram vagando por este universo imenso.
Muitas versões existem.
Só sei que algumas tribos para comemorar usavam a cabeça de seus inimigos para uma partidinha de futebol. A cabeça do morto, muitas vezes, ainda respirando conseguia dar umas boas dentadas nas canelas dos jogadores ou grudava, com uma boa mordida, os dedões deles.
Mas um dia, alguém acabou descobrindo que a bexiga do porco era uma boa proposta. Mais macia e sem o perigo das dentadas. Enchiam de ar e lá iam correndo atrás dela feito uns filhos de uma puta. Corriam atrás dela, de um lado para outro, sem um objetivo específico. Corriam, chutavam, cabeceavam, metiam a mão. Uma confusão generalizada, até que os ingleses resolveram por ordem na casa. Criaram as regras e surgiu o futebol que hoje temos.
Dizem as más línguas, eu tenho minhas dúvidas, que aqui no Brasil o primeiro capotão chegou pelas mãos de Charles Miller em 1884. Era feita de couro curtido, e a câmara de ar era uma bexiga de boi. Esta primeira bola deu tanto trabalho e acidentes que acabou sendo encaminhada, e hoje está presa num museu. Pesava três ou quatro vezes mais quando chovia; e foi numa dessas partidas, debaixo de muita chuva, que dois jogadores quebraram o pé e um terceiro acabou esticando a canela, com passagem grátis para outra vida. O laudo pericial médico atestou: “Morte provocada por violenta bolada”.
Por isso a bola foi presa.
E por ser perigoso o futebol foi, naquela época, proibido.
Acabou sendo jogado escondido por um longo período
Quando menino minha paixão era uma bola, mas naquele tempo ela, um pouco mais domesticada então, tornou-se artigo de luxo e de difícil aquisição. Pouquíssimos fabricantes e a um preço abusivo.
Minha mãe, sempre dava um jeitinho para atender os desejos de seus filhos. Fabricava lindas bonecas de pano para minhas manas e passou a fabricar lindas e bem trabalhadas bolas de meia.
Eu acho que ninguém fazia, fez ou fará bola de meia mais preciosa das que minha mãe fazia.
Um dia, vi com meu pai uma partida de futebol. Nós estávamos em cima de um caminhão estacionado na rua. Por certo o estádio estava lotado e meu pai deu um jeito para mostrar o jogo para mim. Assisti, e confesso que não entendi muito, mas achei fascinante aquele jogador fintando um ou dois adversários com a bola no pé. Achei engraçado, mas fiquei maravilhado quando o público presente gritou:
- Gooooooool!
Em casa fiz um campinho e driblando adversários imaginários lá ia eu fintando um, fintando dois com a bola de meia no pé. Na escada, lá estavam sentadas as minhas manas, com suas bonecas e logo atrás delas a minha mãe, deslumbradas com o que eu fazia com a bola. Elas aplaudiam, gritavam, e eu, todo satisfeito, mais e mais driblava aquelas figuras imaginárias que só eu as via.
Eu fazia miséria com aquela bola de pano. Tropicava nela, caia ao tentar chutar, pisava na coitada, caia em cima esmagando-a com meu corpo, e por fim acertava um chute e gritava junto com minha mãe e manas:
- É goooooooool
Cansado, de minhas mil peripécias com aquela bola de pano, sentava no chão todo realizado.
Pegava então a bola de pano com carinho, ao final de minha grande exibição, dava uns tapas nela para remover a terra e com ela debaixo do braço, todo garboso, levava para guardar no meu quarto.
Sonhava mil sonhos, e no meu sonho eu era muito feliz com minha bola de pano que minha mãe fazia.
Ah! Aquela bola de pano era linda, e eu a tenho bem guardada na minha memória ainda hoje.
Confesso que sinto uma imensa saudade daquele tempo de guri principalmente quando me lembro destes momentos mágicos. Da bola de pano que minha mãe fazia. Para mim, e isto ninguém tira de minha cabeça, que quem trouxe o futebol aqui para o Brasil, foi esta polaca de olhos azuis chamada Maria e não o Charles Muller como dizem e escrevem por aí.