Teoria e Prática

“- E isso vai me servir pra que?” Essa é uma pergunta recorrente dos alunos, diante de certos assuntos que lhes são ensinados, sem a devida atenção para o seu lado prático. Mas, no dia a dia, até em situações inusitadas, muitos conceitos estudados na escola aparecem, enfatizando a importância do seu estudo. Lembro, por exemplo, de uma viagem em companhia de um motorista, pouco letrado, que, surpreso por ver o nome da ambulância parada à nossa frente estar escrito ao contrário, recorreu a mim para saber “por que aquela frescura”? Sabedor do seu pouco estudo não remeti a resposta à Física, à ótica, ou à reflexão de espelho, de conhecimento de quem passou pelo ensino médio, para explicar o porquê. Pedi apenas que ele desse a volta, colocasse o carro à frente do veículo, e que olhasse no retrovisor. Além da surpresa em poder ler a palavra do jeito normal, ainda veio com a frase: “- É muita ciência, não é Fernando?”

Pessoas da área de Pedagogia ou Psicologia, ao lerem o parágrafo acima devem lembrar de Vygotsky, do sociointeracionismo, da mediação, para explicar aquela aprendizagem. E poderiam ampliar com David Ausubel e a sua aprendizagem significativa, muito bem resumida em: “o fator isolado mais importante que influencia a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já sabe. Averigue isso e ensine-o de acordo”. Assim, de nada adiantaria eu me reportar àqueles conceitos da Física para uma pessoa que nem tinha passado pelo ensino médio para adquirir a ancoragem necessária a esse aprendizado. Com isso vê-se que as coisas da vida, mesmo que a gente nem pense nisso, tem as suas explicações nos estudos que fazemos e que, muitas vezes, nem atentamos pra isso na época adequada.

Outro exemplo. Tive recentemente contato com uma criança de um ano e onze meses de idade. Moradora de São Paulo, a garota não conhecia o feijão verde da forma como consumimos aqui no Nordeste. Já o milho fazia parte de seu hábito alimentar. Ao ver na mesa o prato com o feijão, a sua reação foi instantânea: “- Eu quero milho”! Quem estudou Piaget, iria buscar a explicação para esse fato nos conceitos de conflito cognitivo, esquema, estrutura cognitiva, assimilação, acomodação e equilibração, que fazem parte da sua teoria. Do esquema mental dela e, por conseguinte, de sua estrutura cognitiva, só fazia parte o milho. Restava-lhe tentar encaixar o que estava à sua frente (o feijão) nesse esquema, num processo chamado assimilação. Quando alguém lhe diz: “-Não, não é milho! É feijão!”, outro esquema começa a ser formado, ensejando que a acomodação aconteça. E assim a criança processa uma mudança no esquema existente (o do milho) alterando a sua antiga forma de pensar, incorporando agora uma mais nova, que se soma à anterior. A nova agora é feijão. Doravante, quando surgir esse grãozinho em sua frente, a assimilação será imediata, uma vez que o esquema já está devidamente acomodado em sua estrutura cognitiva. E adeus conflito cognitivo. Assim, muito mais coisa pode ser explicada com o que estudamos. Vamos continuar aprendendo?

Fleal
Enviado por Fleal em 15/06/2014
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