PROTESTO CONTRA A COPA
Bonifácio olhou por debaixo do óculos o relógio pendurado na parede da sala que marcava onze horas e dezessete minutos. Tirou o Celular do bolso da calça Jeans e ligou para Ana Beatriz.
----Alô, é a Ana?
Do outro lado, uma voz pastosa de quem havia acordado naquele momento, respondeu.
----Oi!
----Nossa que voz é essa? Não vai me dizer que você estava dormindo?
----Tava... é que fomos dormir tarde essa noite.
----E o Paulo? Tá dormindo também?
----Tá!
----Caramba! Ele não conseguiu arrumar serviço ainda?
----Ainda não, nem ele nem eu. Nós mandamos currículos para várias empresas e estamos aguardando.
----O Paulo foi fazer as entregas que o Sergio havia pedido?
----Ontem não deu para ele ir porque levantamos tarde, mas hoje ele vai.
----Porra Ana Beatriz, o Sergio paga quarenta reais por dia, e para quem está desempregado ta de bom tamanho.
----Tudo bem Bonifácio hoje ele vai.
----Então ta! Eu ligo amanhã!
No outro dia, após as quatorze horas, o Bonifácio ligou novamente.
----Oi Bonifácio, tudo bem?
----Tudo, e o Paulo ta ai?
----Ele ta dormindo.
----Dormindo? Porra Ana Beatriz, já é mais de duas horas da tarde e ele está dormindo ainda?
----É que ficamos assistindo um filme até de madrugada.
----Que legal heim! Ao invés de procurar alguma coisa pra fazer, ele está dormindo. E a entrega que o Sergio pediu para fazer?
----Ele ligou ontem à tarde dizendo que arrumou outra pessoa para fazer o serviço.
Conversaram por mais alguns minutos e se despediram.
Na outra semana o Bonifácio ligou durante a noite.
----Oi Ana, posso falar com o Paulo?
----Ele não está em casa.
----Não está?
----Não! Ele me disse que iria participar do campeonato de dominó lá no Bar do Nino.
----Campeonato de dominó em plena quinta feira?
----O pessoal lá é tudo aposentado, só ele que não é.
----Olha, o negócio é o seguinte: tem um amigo meu que vai inaugurar um restaurante lá nos Jardins e ele está precisando de duas pessoas, eu indiquei vocês. O salário é razoável, tem cesta básica, almoço e vale transporte. Anota ai o endereço, e é para estar lá amanhã às nove horas para entrevista.
----Amanhã?... bom, é que amanhã...
---- Amanhã o que?
----Nada não! Tudo bem, amanhã a gente vai lá!
Conversaram por mais alguns minutos e se despediram.
No outro dia, quando o relógio da sala da casa do Bonifácio marcava onze horas e vinte e três minutos, o telefone tocou. Era a Ana Beatriz aos prantos.
----Bonifácio pelo amor de Deus! Preciso que você venha até aqui no Primeiro Distrito, perto da Rua da Glória.
-----Calma Ana Beatriz! Afinal de contas o que foi que aconteceu?
----Prenderam o Paulo!
----Como assim prenderam o Paulo? Vocês não foram ver o serviço que eu havia indicado?
----A gente ia Bonifácio, só que hoje tinha a manifestação contra a Copa aqui no Brasil e como o Paulo é um dos líderes do movimento nós achamos melhor não faltar a esse compromisso com os companheiros de luta.
----Puta que pariu Ana! Quer saber de uma coisa, vocês são tudo um bando de vagabundos que não tem o que fazer!
----Não é bem assim também não Bonifácio!
----É assim mesmo! É tudo um bando de vagabundo! E me diz uma coisa, porque foi que prenderam o Paulo?
----Você não vai acreditar Bonifácio, foi um azar da porra, bem na hora que ele sentou uma tijolada na vitrine de uma loja a polícia chegou e cataram ele em flagrante...
Pi, pi, pi, pi, pi, pi, pi, pi, pi, pi, pi, pi, pi, pi, pi, pi, pi, pi, pi,
-----Alô, Alô, Bonifácio?... Alô, Alô...