Vou soletrar o sobrenome
Ah, esses sobrenomes estrangeiros! Lá onde eu nasci, Fendrich é um sobrenome comum, inclusive nome de açougue e padaria. É uma família tradicional e a todo momento alguém me pergunta “de qual Fendrich” eu sou. Mas aqui em Brasília este é um palavrão ainda desconhecido, e eu seria o seu único portador na lista telefônica, caso a situação permitisse que eu tivesse um telefone. Por aqui, meu sobrenome jamais é pronunciado, apenas soletrado. Eu mesmo não o pronuncio: quando perguntam como me chamo, digo “Henrique Vou Soletrar o Sobrenome”.
E olhe que não é dos mais difíceis, pois lá na minha terra existem preciosidades como Gschwendtner e Pfütenzreuter. Isso para não falar nos sobrenomes poloneses, como Gliszczynsky e Kleszczewsky, claramente criados quando o escrivão apertou aleatoriamente várias teclas da máquina de escrever ao mesmo tempo.
Em geral, as pessoas escrevem o que soletro (visivelmente aborrecidas por eu não ser um Silva) e então olham assustadas para aquilo que acabaram de escrever. Algumas arriscam uma pronúncia, geralmente carregada de chiado: Fendrishhh. Perguntam se é assim que se fala. Na verdade não é, mas eu costumo dizer que é por aí. Isso para evitar uma maçante explicação sobre a pronúncia desse CH em alemão. Mas é claro que, quando quero me engrandecer, digo que o meu CH é o mesmo de Bach: um som feito pela garganta, parecido com os dois R em português. E lá vai a pessoa tentar repetir o som: rr, rr, rr. Por vezes alguém escuta e, sem saber do que se trata, fica esperando a cusparada.
Quanto à origem, perguntam se é alemão. Na verdade é austríaco, mas há tão pouca diferença entre a Áustria e a Alemanha para quem nunca esteve lá que acabo concordando que é alemão. Quando você diz que o seu sobrenome é alemão, é como se dissesse que seus olhos projetam raios laser: todos lhe olham com respeito e admiração. Uma mãe chegou a me oferecer a mão da filha para que ela herdasse um nome chique. O sobrenome dela? Silva.