LEMBRANÇA VIII

Ainda lembro-me perfeitamente dos dias em que, junto com os moleques de rua meus companheiros, íamos comer mel de abelhas no apiário do Pe. Estevão, que ficava no meio das árvores do imenso quintal do Convento da Sagrada Família.

O padre era um alemão, que falava português com fortíssimo sotaque, sisudo, já idoso e que andava com grande dificuldade, apoiado numa bengala de metal brilhante e que, para ocupar as horas ociosas, criava as abelhas no sítio do convento, para onde tinha vindo como missionário, muito anos antes da segunda guerra.

Eu tinha lido não sei onde que, as pessoas que criam coelhos, quando precisam pegar nos filhotes que eles chamam de láparos, têm que mascarar o cheiro das mãos, esfregando-as com as folhas do melão de São Caetano ( Momordica charantia), aquele melão que serve também para dar banho em cachorro sarnento ou que se espojou em carniça e vem feder junto da gente.

Ora, se serve para confundir coelho, serve para confundir abelha também e, cada vez que eu ia tirar as melgueiras das colmeias, para arrancar os pedaços dos favos, esfregava o melão da cabeça aos pés e, dava tão certo, que mesmo sem fazer fumaça, nunca fui picado.

Além disso, todos os meus movimentos eram lentos para não alvoroçar as abelhas.

Num belo dia em que estávamos “colhendo” mel eis que surge o Pe. Estevão do meio das árvores.

O colega que estava deitado no chão, para receber os favos, saiu em desabalada carreira e eu fiquei recolocando a melgueira e a tampa da colmeia.

O padre estava tão nervoso que só conseguia falar em alemão.

Eu nada entendi do que ele dizia e consegui escapar das “merecidas” bengaladas, que levaria se ele conseguisse andar um pouco mais rápido e tivesse me alcançado.

Depois desse susto, passamos um bom tempo sem comer mel e nem mastigar a cera dos favos...