A MINHA ÚLTIMA COPA DO MUNDO
Tenho uma remota lembrança da minha primeira Copa. Em 1962, quando tinha apenas seis anos de idade, ao lado de meus familiares, acompanhei por um aparelho enorme de rádio com válvulas da marca Semp, a conquista do Brasil no Chile pela segunda vez. Foi uma festa em todo o país. Tínhamos um rei e um anjo de pernas tortas.
A partir daí do futebol me encantou, e o interesse pelo jogo da bola tornou-se algo presente em minha vida.
Sobre a minha segunda Copa, ainda pelas ondas do rádio, tenho na memória a vergonhosa participação da seleção canarinho nos campos da Inglaterra. Nas ilhas britânicas a seleção sucumbiu ainda na primeira fase, mas pouco me decepcionou, pois era sabido que dificilmente alcançaríamos a terceira fatura consecutiva, ainda mais com os equívocos cometidos pela direção daquela época. O tri foi adiado por mais quatro anos.
O futebol continuava a exercer encanto sobre mim. Mas o interesse pelo jogo no intervalo dos quatro anos resumia-se a torcer pelo futebol doméstico e a paixão por apenas um time.
O ano de 1970 havia chegado, e mais uma edição da competição estava marcada. O país vivia sob o domínio da ditadura militar e eu, ainda adolescente, já podia entender que o povo ansiava em gritar não só por gol, mas por liberdade, por emancipação, por direito à vida.
Então, aos meus 14 anos de idade, eu já podia estar dentro do jogo mesmo em imagens em preto e branco, graças à tecnologia avançada que trazia os sinais via satélite desde o longínquo México. Inesquecíveis jogadas. Inesquecíveis gols. Espetaculares transmissões. Espetaculares jogadores. Grande conquista dos apaixonados por futebol. Grande conquista dos senhores do poder, que cantavam como se este fosse um país que ia pra frente. A situação do país não era fácil, mas tínhamos algo a comemorar, o tri mundial. Ainda tínhamos um rei e um bálsamo.
Lamentavelmente, enquanto as lembranças da Copa de 1970 permaneciam congeladas em minha memória, o símbolo máximo das três conquistas, a taça Jules Rimet, se liquefez.
O encanto pelo futebol acentuou-se e o sonho de todo garoto, assim como o meu, era ser um jogador de futebol. Enquanto o sonho não virava realidade, restava a torcer pelo futebol doméstico e a paixão por apenas um time, e torcer pela Seleção, uma paixão que se renovava a cada quatro anos.
Na edição de 1974, agora mesmo sem um rei, toda torcida era em tornar-se tetra. A tecnologia avançara um pouco mais, fora possível assistir a televisão não só em todas as cores, mas predominantemente na cor laranja que ofuscou o amarelo sem piedade e sem direito ao qualquer apelo em Haia, haja vista que nem mesmo uma águia seria capaz de salvar os pífios canarinhos. Foi decepcionante para mim.
Foi difícil digerir que já não tínhamos o melhor futebol do mundo, como a imprensa ufanista insistia em apregoar, pior, faltava inclusive o bálsamo. Restava então continuar a nutrir a paixão por um clube nacional.
O tempo passando e a distância da última conquista já era peça de almanaque, mas o sonho em ser tetra estava ao nosso alcance, afinal a edição de 1978 tinha como sede a vizinha Argentina. Assim como o Brasil, e boa parte da América Latina, nossos vizinhos estavam combalido pela ditatura e que até então fora mero coadjuvante em suas participações em copas.
Embora a Argentina contasse com uma seleção de grandes jogadores, o Brasil foi eliminado invicto do torneio por uma combinação de resultados em circunstâncias suspeitas e até hoje discutidas. O tango prevaleceu sobre o samba e los hermanos finalmente entraram no seleto hall de campeões da Copa do Mundo de Futebol.
Na edição de 1982, na Espanha, o Brasil contava com uma constelação de estrelas e uma identificação com o torcedor, já que quase todos ainda atuavam em clubes nacionais. Em minha modesta opinião, aqueles atletas mesmo sem um rei praticava um futebol de primeira linha, eram tão geniais quanto à seleção do tri.
Mas o imponderável aconteceu, aquela seleção praticando um futebol primoroso foi eliminada de maneira tão surreal. O Brasil caiu para uma seleção italiana que até então se arrastava no torneio, mas que conseguiu se sagrar campeã pela terceira vez, igualando ao feito brasileiro.
Esta foi a minha última Copa, a última na qual torci, sofri e vibrei com um futebol espetacular, de uma seleção genuinamente brasileira. Quanto às Copas seguintes, passei a ser um mero espectador que tem apreço pelo futebol. Mesmo com as duas conquistas de 1994 e de 2002 não me entusiasmaram e não me encantei ao ponto de festejar. Não torci, não consegui torcer.
Continuo apaixonado por futebol, aprecio e acompanho os jogos das Copas e entendo ser uma grande festa do futebol, mas sou incapaz de vibrar como antes vibrei pelo Brasil.
Torcer, mesmo que sofrendo, só pelo meu clube.
(Publicado originalmente no Blog "O Campo" em 10/06/2014)