LEMBRANÇA VII

Ainda lembro-me perfeitamente do dia em que fomos passar um feriadão na casa da prima Morena em Maceió, cidade natal da maioria dos meus parentes paternos.

Morena, cujo nome real era Clotilde Souza, era prima do meu pai, filha de uma das muitas tias que ele teve e que morava na Rua Dias Cabral, exatamente atrás do Teatro Deodoro, no centro da cidade.

Naquele sábado, ainda escuro, fomos os quatro (pai, mãe, irmã e eu) pegar o ônibus que nos levaria para a estação central para embarcarmos no trem de Alagoas, cuja composição além da Maria Fumaça, tinha um vagãozinho onde eram colocadas as toras de madeira e o carvão mineral para alimentar a fornalha, os vagões de primeira e de segunda classe, separados pelo vagão restaurante, os vagões cargueiros cobertos, com aquela porta grande lateral, e os de meia parede, cem cobertura, onde as boiadas eram transportadas.

No horário previsto, 6:20 h da manhã teve início o ritual de partida, toque de sino, apito estridente e breve do chefe do trem, e o apito longo da máquina que se pôs em movimento, deixando a plataforma de embarque envolta em fumaça e muita névoa, provocada pelo vapor da água quente, responsável pela força necessária para deslocar toda a composição.

O resfolegado rítmico do embolo, fazendo girar a roda de tração, vai num crescendo na mesma medida em que a composição vai aumentando a velocidade e o som das rodas dos vagões ao passar pelos espaços vazios das emendas entre um trilho e outro, parece que um conjunto fala e o outro responde, como o eco a reproduzir inúmeras vezes, o som original...

As cadeiras eram de madeira com o assento e encosto de couro ou de palhinha e que podiam ser virados, para frente e para trás, a fim de permitir que as pessoas sentassem de frente umas para as outras, como se estivessem em salas de visitas.

As estações se sucediam inicialmente as do centro do Recife, como Afogados, Mangueira, depois as dos bairros mais afastados, como Edgard Werneck, Boa Viagem e as dos municípios da Região Sul do Estado, como Jaboatão, Cabo de Santo Agostinho, Escada, Barreiros até chegarmos ao entroncamento de Paquevira onde o trem ficou aguardando a composição que vinha da cidade de Garanhuns, trazendo outros vagões para serem levados para a capital alagoana.

Quando chegamos já era noite escura. Os primos estavam na estação nos esperando.

Muita gente que eu nunca tinha visto.

Na manhã seguinte, fomos conhecer o Gogó da Ema (coqueiro famoso por ter ficado torto) e as outras praias de Maceió.

Fizemos passeio de canoa na lagoa do Mundaú até a vizinha cidade de Marechal Deodoro.

Depois conhecemos o teatro e várias praças com suas fontes luminosas e as igrejas. Vimos também, de longe, a casa que pertenceu ao meu bisavô, na Praça dos Martírios com a sua fonte luminosa e sonora, única na cidade.

Com o fim do feriadão, voltamos de trem para o Recife e essa viagem foi, por muito tempo, motivo de conversas e de boas lembranças.

No fim desse mesmo ano, Andalusa, uma das filhas de Morena, formou-se Enfermeira Ana Nery e, para poder participar das festividades, ela veio passar uma semana em nossa casa.