Não passo de uma garçonete

Quase sete horas da noite e ele ainda não apareceu. Acho que hoje ele não vem mesmo. Seria tão bom se ele tivesse um dia certo para vir! Aí eu não ficava esperando e sofrendo todos os dias. Mas eu sofro de boba que sou, porque na prática não faz a menor diferença se ele vem ou não. Nunca prestou atenção em mim mesmo. Ele chega, se serve, pesa o prato e vai se sentar sem nem ao menos reparar que eu existo. Nessa hora eu devia ir até ele e perguntar se quer alguma coisa para beber, mas ultimamente eu tenho evitado. E não é apenas porque eu fico nervosa, mas porque na maioria das vezes ele não quer nada, e eu não quero ser a moça chata que vai importunar ele com uma coisa que ele não quer. Mas e se ele quiser? Às vezes é a outra moça que atende e ele quer! Por que ele não pode ser sempre o mesmo? Eu nunca sei muito bem como agir.

Já reparei que ele não é de comer muito. Um arroz com feijão básico, um pouco de carne e algumas verduras. E também nunca deixou restos no prato. Sou sempre eu que tiro o prato dele, porque fico ali por perto justamente esperando por isso. Digo “com licença” e ele responde qualquer coisa sem erguer os olhos. Às vezes ainda fica mexendo no celular. Fico pensando que ele deve estar conversando com alguma namorada. Eu sei que anel no dedo ele não usa, mas hoje em dia isso não quer dizer nada. Ainda mais um sujeito tão bonito como ele. Deve estar cheio de mulher interessada. E eu, que não passo de uma garçonete, achando que tenho chance!

Aí eu me consolo pensando que talvez ele não seja pra mim mesmo. Deve ter algum defeito escondido também. Não sei nem se ele é cristão. Minha família é toda da Assembleia, eu que estou desviada, mas ainda acho importante que ele seja cristão. Mas se eu sei que não tenho chance e não faço ideia de quem ele seja de verdade, por que continuo tendo esperança? Eu não sei, mas preferia que ele viesse nem que fosse só para olhar. Nem que fosse só para ver o que estou perdendo...