O dia que fui a São Paulo
O dia que fui a São Paulo não teve nada de mais. Era uma segunda-feira manhosa, com vontade de chover. As pessoas continuavam a andar apressadas e aos montes, não olhavam para os lados nem se importavam com o amanhã. Não fui recepcionado com faixa de boas-vindas muito menos ganhei a chave da cidade. No máximo um sorriso da moça que me serviu o café. Dia quase triste sem nada de mais.
Cheguei cedo à estação rodoviária: pus meus pés na Barra Funda com o sol despontando tímido no horizonte entre os edifícios. Nuvens cinzentas sem me tomar por nenhuma emoção. Aquele frio matinal que desponta por lá nos dói os ossos; um vento afiado corre e corta a carne, racha os lábios. Começo de semana como outro qualquer de trens cheios e indivíduos se apertando. E eu fingia aquela naturalidade que só eu sei quando vou a São Paulo: não me importar com pessoas correndo e que não dão bom dia. Faço as vezes de quem gosta, reclamando já sem saber a exatidão das palavras.
Embarquei no metrô lotado, transpirando um ar blasé de quem aguarda a próxima baldeação. Nos vagões multidões de pessoas solitárias mexendo em seus aparelhos eletrônicos e comunicando-se pelos celulares. Ignoravam-me por completo. Olhei para o lado esquerdo e meus olhos flagraram junto à porta os olhos de uma menina que pareciam pedir socorro. Imploravam para que nós os tirássemos dali e os resgatássemos a uma vida. Ignorei o pedido, baixando a cabeça e vendo os e-mails pelo smartphone. Creditei aos ares da metrópole essa minha encenação com os olhos da moça. Tornei-me alheio, estava integrado ali e talvez já fosse hora de voltar.
Parei em uma padaria perto da Praça da República onde pedi um café com leite e um pão de queijo. Ainda era cedo e consegui acompanhar as notícias frescas da manhã: acidente, congestionamento, crime, esportes, vida fora da curva, viés de alta. Os raios de luz refletidos nas janelas dos escritórios já se faziam presentes, aumentavam os contornos de cinza e solidão. A cidade parecia mais triste – não sei se por minha presença ou pelas manifestações dos últimos dias – e isso era nítido e contagiante. O que mais chamava minha atenção, além disso, era a maneira que um dos balconistas encarava-me. Senti-me um estrangeiro, incorporado por esta terra como forma de espólio de uma guerra sem esperanças. E assim fomos; conta paga, vida que segue.
Minha estada em São Paulo durou algumas horas mais e não teve grandes surpresas, regadas à Biblioteca Mário de Andrade e desapontamentos. A chuva veio e foi embora. O frio tripudiou-me apenas, tornando-me gelado e misturado aos demais. Meu dia em São Paulo não ganhou trilha sonora e no almoço não tive destaque. A viagem que fora envolvida em mistérios, revelou-se sem graça e, para minha tristeza, previsível. No fim da jornada, menos de vinte quatro horas depois, eu saía de lá quase igual quando cheguei: imperceptível. Sem legado nem aplauso, meu ego diminuto e a vanglória aprisionada. Era um dia como outro qualquer: folga a quem de direito, trabalho árduo a quem conquistou. Comércio aberto, ruas cheias, idas e vindas, gente chegando e saindo. As atrações continuaram atraindo, os aviões pousando e decolando, os professores ensinavam a uma geração imprevisível. Entre todos que estavam em São Paulo, havia os campeões ganhando e eu... bem, eu me punindo.
Muitos me perguntarão o porquê de texto tão confuso, se é vida vazia ou breve inspiração. Talvez ainda se eu não me importe mais com a alegria ou se sou menos norteado pela razão. No fim desta minha narrativa, ainda envolvido pelo fim de um não, eu, como resposta, repito apenas que no dia que fui a São Paulo não teve nada de mais.