FASHION DOG - Um Ensaio Sobre Cachorros
Sinto imensa pena dos cachorros contemporâneos. Não se trata de mero saudosismo, mas os cachorros de antigamente tinham plena liberdade de ser cem por cento cachorros, o que já não ocorre com os atuais, com exceção dos vira-latas de rua e alguns outros cujos donos sejam conservadores em matéria de cachorrologia.
A começar pelo nome, os de antigamente tinham nomes de cachorro: Tupi, Tupã, Sansão, Pitoco, Faísca, Rex, Laica, Lassie, Pluto... Hoje em dia têm nome de gente, simples ou composto: Artur, Fernando, Joana, Zé Roberto, Maria Rita. Alguns têm até sobrenome: Solange de Araújo, Armando Pena Dutra, Francisco Duarte dos Santos. Muitos têm nome de pessoas famosas, o que pode ser entendido como ofensa a essas pessoas ou, em alguns casos, como ofensa ao próprio cachorro: Felipão, Bush, Pelé, Bin Laden, Dilma ,Obama, Putin, Lula, Xuxa... Neste último caso, Xuxa, acho que é a pessoa que tem nome de cachorro.
O poeta gaúcho Mario Quintana escreveu: “A coisa mais melancólica deste ou de qualquer outro mundo, é um cachorro sem pulgas” (sic). O quê dizer desses cachorros atuais que repetidamente são submetidos a humilhantes banhos, tosas, tratamentos antipulgas, aparos de unhas, limpezas de tártaro, aplicações de perfuminhos, fitinhas e roupas esdrúxulas? Isso tudo é um grave atentado à dignidade canina!
Os cachorros de antigamente, na hora do lanche, que podia ser a qualquer hora do dia ou da noite, nenhum dispensava o imenso prazer de roer um bom osso, preferencialmente um dos que previamente haviam sido enterrados por eles próprios em algum canto de terra, hábito que lhes propiciava boa e afiada dentadura, livre de tártaro. Além de boa saúde psíquica, decorrente do rito ancestral de enterrar e posteriormente desenterrar osso. Eu acho que o mais importante para eles não era o osso propriamente, mas o rito, a tradição. Dos cachorros atuais, muitos sequer viram um osso de verdade e outros tantos poucas vezes, ou nenhuma, tiveram contato direto com a terra.
De um modo geral os cachorros e cadelas de antigamente podiam se amar livremente, sem preconceitos de pelagem, cor, idade, origem ou raça. Bastava um cio, um “clima”, uma “química”, um lugar qualquer e acontecia. Hoje vivem uma realidade de casamentos; digo acasalamentos; arranjados. Nada de romantismo, de disputa, de conquista. Há coisa mais bela do que uma dessas cadelas vira-latas de rua, no cio, sendo disputada a dentadas por uma comitiva de cães vagabundos?
São muito bonitinhos os cachorros contemporâneos, mas já não são cem por cento cachorros. São meio híbridos. Mercadorias fabricadas em série, consumidas de acordo com as tendências e interesses ditados pela indústria de cachorros. No Brasil, a partir dos anos 70 do século passado, estiveram no auge da moda os Pequineses, Boxers e Pastores. Depois foi a vez dos Pinchers, Filas e Dobermans. Depois vieram os Poodles, Pit Bulls e Rotweilers. Na sequência a oferta de novas marcas e modelos se ampliaram com Yorshires, Labradores, Huskys, Shih-tzus, Chow-Chows, Galgos, Goolden Retrievers, Pugs, Shar-peis, Beagles, Terra-novas e tantos mais. Quais serão as próximas tendências para as próximas temporadas? Não sei lhes dizer, mas deixo um conselho a quem quiser ser permanentemente “fashion” no que se refere a cachorrologia: tenha sempre pelo menos um vira-latas. Os Pequineses, Pinchers, Dobermans, Poodles, Pitbulls, Rotweilers, Chow-chows, Pugs, Beagles e todos os outros passam, os Vira-latas nunca saem de moda.
Nelson S Oliveira