Velhice

Deparo-me, de vez em quando, refletindo sobre a velhice. Velhice essa que hoje tem cara nova, muito diferente do que era ter, por exemplo, sessenta anos, no tempo em que eu era menino. Quando alguém morria nessa faixa de idade, por exemplo, sexagenária, consolava-se por já se tratar de uma pessoa idosa. Hoje não! A minha sogra, por exemplo, faleceu aos noventa e seis anos, e houve quem dissesse que foi uma morte repentina, tão bem que ela estava naquela idade.

Hoje a preocupação já se volta para os cuidadores dessas pessoas que avançam um bocado no tempo. Isso porque, vive-se mais, mas a mobilidade vai ficando reduzida, e a dependência de outras pessoas para darem conta de vários afazeres, que não dá mais para se fazer sozinho, é um fato. Por mais que se lute contra isso. E quem será essa pessoa que se disporá a ser braços, pernas e olhos desses velhinhos?

Isso me faz lembrar a conversa que tive com um dos meus netos, então com oito anos, que foi muito claro comigo ao dizer que, de mim cuidaria até os seus 21 anos, uma vez que depois disso ele teria que cuidar da vida dele. E assim é... Muitos têm que cuidar de suas vidas, não podendo emprestá-las a quem já perdeu um pouco da sua “utilidade”.

A antropóloga Miriam Goldenberg, também professora da UERJ, tem dedicado parte do seu tempo acadêmico ao estudo dessa faixa etária, sendo, inclusive, autora de livro sobre o tema: Corpo, Envelhecimento e Felicidade. Em suas pesquisas, que brilhantemente repassa quinzenalmente aos leitores da Folha de São Paulo como colunista, ela traz sempre a fala de pessoas com idade avançada, muitas delas sem filhos, e que costumam ser questionadas sobre “quem vai cuidar de você na velhice, se não tem filhos?”. E adianta mais, a professora Goldenberg: “Muitas mulheres mais velhas acreditam que a família é uma prisão que impede que exerçam a própria vontade. Elas dizem que os filhos não respeitam as vontades dos pais e querem controlar suas vidas afetivas e sexuais, como se os velhos não fossem pessoas responsáveis, lúcidas e autônomas”.

Um dado a ser considerado nesse cenário é que o número de pessoas com mais de sessenta anos que vivem sozinhas, de dez anos pra cá já chegou quase a quatro milhões, sendo que 65% desse número é constituído por mulheres que escolheram viver sozinhas para preservar a sua liberdade.

As histórias que se ouve, ou que se vê retratadas em programas de TV relativas a abandono e maltrato do idoso, não são esporádicas. Muitas delas têm os próprios familiares como protagonistas de casos verdadeiramente macabros. Na pesquisa da professora Miriam ela fala do alerta, recolhido em seus estudos, que muitas mulheres idosas fazem sobre “os perigos de depositar nos filhos a esperança de uma velhice feliz. Elas acham melhor investir nas amizades para garantir companhia, amor e cuidado na velhice”. Dá o que pensar, não é?

Fleal
Enviado por Fleal em 10/06/2014
Código do texto: T4839997
Classificação de conteúdo: seguro