Meu amor por dois reais
Estou bem disposto! Resolvi caminhar até o supermercado mais longe. Já anoiteceu, mas ainda há movimento suficiente nas ruas para que eu não corra o risco de ser assaltado. Vou cantando, subitamente atingido por um inexplicável acesso de alegria. É nesse estado que me encontra um homem na faixa dos 40 anos, meio gordinho e com roupas simples. Vem caminhando na direção contrária e me pede uma informação: quer saber se Taguatinga está muito longe.
A pergunta me parece absurda – estamos a quilômetros de Taguatinga. Digo que é preciso pegar um ônibus para chegar lá. Ele me olha assustado: “Será possível que me enganaram?”. E começa a me contar a sua história, mas de forma tão atropelada que eu pouco consigo entender. Sei apenas que saiu de casa ainda de manhã para uma entrevista de emprego e que alguma coisa não deu certo. Enquanto ele fala, chega até mim o seu mau hálito, não de quem bebeu, mas de quem não escovou os dentes. Em outra situação talvez eu fosse embora, já havia dito que só se chega em Taguatinga de ônibus. Mas agora estou interessado na sua história, convencido de que fala a verdade, e sinto compaixão pelo seu sofrimento. O homem conclui, falando mais para si do que para mim, que agora não sabe o que fazer. Estou disposto a dar o dinheiro da sua passagem. Custa três reais, mas eu hesito quando lembro que a nota mais baixa que tenho é uma de cinco. Sorrio amarelo e digo que também não sei como ajudar. Ele agradece, diz que já fiz uma grande coisa simplesmente ao ouvi-lo. E vai embora, caminhando no sentido que, por sorte, também era o de Taguatinga.
Sigo meu trajeto ao supermercado, mas não esqueço aquele homem e, no meio do caminho, tomo a decisão: vou dar os cinco reais para ele. Dou meia volta, mas já não o encontro, perdido na escuridão da noite ou em meio às multidões que lotam as paradas de ônibus.
Ignoro se chegou a Taguatinga ainda naquela noite. Se não fosse o meu amor por dois reais, certamente teria chegado.