LEMBRANÇA VI
Ainda lembro-me perfeitamente da imensa confusão que se seguiu àquele pic-nic que fizemos na Praia de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes.
Tradicionalmente, a temporada de banhos de mar dos recifenses começa em setembro, quando as chuvas do meio do ano vão rareando e os termômetros voltam a rondar os trinta graus. Naquela época, quando o brasileiro ainda tinha orgulho das suas forças armadas, o final do desfile da independência, representava o início do que se convencionou chamar de verão.
Cursávamos o primeiro ano ginasial e logo após as férias de julho, alguém teve a ideia de fazermos um pic-nic aos sítios onde se desenrolaram as últimas batalhas do período holandês em Pernambuco, com a participação dos professores de História, Geografia e Português, vez que o objetivo principal era a produção de três relatórios, sob o enfoque das matérias envolvidas.
Somente participariam os alunos que fossem autorizados pelos pais e quem quisesse, poderia levar um responsável de maior idade.
Da programação, constavam os Montes Guararapes, com visita à igreja de Nª. Sª. dos Prazeres, Praia do Paiva (para ver as pedras que, segundo a lenda, a santa transformou em balas*), a desembocadura do Rio Jaboatão e o pic-nic, propriamente dito, ao lado da capela na Praia de Piedade.
Saímos do colégio perto das oito horas da manhã e só fomos chegar ao destino quando já passava bastante da hora do almoço, mas nada que diminuísse a euforia dos pré-adolescentes que tinham todo o roteiro anotado para poder produzir os textos.
Almoçamos sentados na areia ou em jangadas, jogamos bola, fizemos caminhada, coleta de conchas (ainda abundantes), vimos algas arribadas e as temidas caravelas portuguesas (Physalia physalis) e, bem antes que notássemos, o relógio marcou 15 horas.
Fomos sendo chamados, pelos professores e parentes responsáveis para, de alguma forma tirar as roupas de banho molhadas e vestir roupas secas, para poder entrar no ônibus.
Um dos nossos colegas, apelidado de Repolho, por ser baixinho, gordo e viver soltando gases fedorentos, na hora em que estávamos sendo chamados, juntou-se com mais uns três e foram dar o último mergulho nas águas cheias de espuma da preamar.
Os outros voltaram, mas Repolho, talvez levado por tubarão, desapareceu para sempre nas ondas que galopavam em direção à praia...
*) trata-se do mineral Goethita que cristaliza em forma esférica, semelhante às balas usadas nos armamentos de fogo do Século XVII arcabuzes principalmente.