O SONHO DE POLICARPO QUARESMA
O Major Quaresma, grande patriota, ganhou existência e história na pena de Lima Barreto em romance (Triste Fim de Policarpo Quaresma) escrito no início do século XX. Amanuense do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro e “desinteressado de dinheiro, de glória e posição” o pequeno Policarpo, cavanhaque e pince-nez, dedicou a vida ao Brasil. Inconformado com os já tristes rumos da república estudou tudo sobre o país e passou da teoria à prática. Pretendia mostrar caminhos com exemplos pessoais. Mas não foi muito feliz em suas iniciativas. Primeiro encaminhou petição para o Congresso Nacional decretar o tupi-guarani como língua oficial, o que lhe rendeu zombarias e alguns meses no hospício. Depois investiu na agricultura. Trocou a casa no subúrbio do Rio por um pequeno sítio e pôs-se a trabalhar a terra com afinco e a certeza de que a via de prosperidade da vasta e fértil nação passava pelo campo. Sem jeito para as lides da enxada acabou perdendo a batalha que travou com as saúvas e partiu para outra. Alistou-se no exército da república e lutou contra os golpistas da Marinha. Muito ingênuo e idealista, acabou sendo preso e condenado à morte por Floriano Peixoto sem saber bem o motivo. Velho, desiludido, aguardando a pena na prisão, Policarpo meditava sobre os descaminhos de sua vida, mas manteve a esperança de que outros brasileiros não deixariam perecer sua quimera. De fato, antes e depois dele muitos visionários abraçaram de maneira ousada a causa do Brasil. Vem logo à mente um cidadão contemporâneo: Darci Ribeiro. Como Quaresma ele não se conformou que a “mais bela e luminosa província da terra”, assentada por uma gente mestiça e alegre sem igual no mundo fosse obstruída por desinteligências políticas e elites e instituições defasadas e corruptas. Também dedicou a vida na dura luta de um povo em “fazimento”, na busca de seu destino. Fugiu do leito de morte para concluir o último legado que deixou ao país que amava: o livro “O povo brasileiro”. É preciso entender as manifestações de junho do ano passado, como parte da luta que travaram Policarpo e Darci para a superação do histórico e inadmissível divórcio entre Estado e cidadania. O sonho de ambos está vivo e andou nas ruas do Brasil em 2013. A julgar pelos desdobramentos pós-manifestações, entretanto, os políticos parecem não ter entrado em sintonia com o “espírito do tempo.” Permanecem atrelados ao oportunismo do jogo do poder e tentam mitigar danos eleitorais com respostas simplistas. A reconstrução do Estado, a imaginação institucional, uma nova civilização tropical num mundo em crise de paradigmas, como desejava Darci Ribeiro é a grande tarefa da cidadania contemporânea. Que o debate neste ano de eleições presidenciais seja compatível com as aspirações altruístas do Brasil que saiu à rua.