UNDERGROUND DA RUA PIQUIRI
A Rua Piquiri em Curitiba ganha certo brilho, mesmo mal iluminada, nas noites de final de semana. Lá estão elas, drag quens, travestis, transformistas, feito mariposas voando doidivanas em busca de um freguês.
A vida é delas, e quem sou eu para reprovar; Em todo caso, confesso que tenho meus receios em chegar perto destas santas criaturas.
Só em pensar nisso chega me dar urticária.
O dia estava chuvoso e resolveu adentrar à noite com seus respingos.
Era sábado. Muita coisa acontece aos sábados. Eu não vi nada de extraordinário acontecer daquele dia a não ser já na boca da noite quando tive que ir buscar meu filho no Teatro Pé no Palco. O teatro fica na Rua Conselheiro Dantas esquina com a Rua João Negrão.
Saída do ensaio, e por isso muitos carros estacionados aguardando os alunos e atores saírem. Achei uma brecha e estacionei. A traseira do carro praticamente ficou na Rua Piquiri. Não haveria perigo algum pelo pouco movimento desta rua a não ser as mariposas voluptuosas, assanhadas mais adiante.
Travei as portas, ergui o vidro e liguei o rádio. Aguardava ansioso a saída de meu filho.
No rádio ouvia baixinho tangos de Carlos Gardel. No para-brisa, preguiçosas gotas da chuva dançavam espatifando-se no capô do carro. Lá fora as meninas, seminuas, siliconadas se alvoroçavam em gritinhos agudos a cada marmanjo que passava, e com muita excentricidade e ousadia expunha suas mercadorias. Por entre as gotas do para-brisa eu fixava meus olhos na porta de saída do teatro. Isto era o que me interessava.
De qualquer maneira eu, seguramente dentro do carro, admirava, e fiquei impressionado com aqueles moços da vida underground que, com tanta personalidade se expunham, principalmente através das poucas roupas e maquiagens extravagantes.
O movimento da saída do teatro estava intensa assim como intensa estava o revoar das mariposas coloridas, amalucadas, no vai e vem da mal iluminada rua.
O tempo me pareceu paralisado, não passava e isso me preocupou. Estava me deixando desconfortável.
Que merda! Tudo parecia em câmara lenta.
Mas o filho de uma puta do tempo, vendo-me nervoso, resolveu então passar.
Passou e não demorou muito o meu filho apontou na porta do teatro.
Ele olha de um lado ao outro em busca do carro.
Rapidamente abri a janela e tirando o braço para fora dei sinal com a mão para ele.
Ele me viu e em passos rápidos veio em minha direção.
De repente, como se tivesse visto um fantasma, ficou como que petrificado na calçada.
Parou, e percebi que me olhou decepcionado; Abaixou a cabeça e apressadamente retornou a entrada do teatro para fugir do chuvisco.
- O que será que aconteceu com meu filho? Foi a pergunta que martelou o minha cachola naquele momento.
Quando fui gritar para ele, descobri o motivo.
Puta que o pariu! Os pelos de meu saco se arrepiaram todos! Vendo aqui na minha frente pensei:
- Atirei num e acertei outro!
Maquiagem extravagante, roupa glamorosa e muito brilhante eis que surge, quase me lambendo o queixo e fungando no meu pescoço, aquela negra de quase dois metros de altura que, numa voz de tenor afogado, rugiu no meu ouvido:
- Bonjour, mon amour!