Lítio

Lítio,

Hoje eu me entregarei aos seus encantos

De você eu ouvi tantas promessas

Então espero que você traga de volta a minha vida

Que durante o dia tiraram-me todas as esperanças.

Lítio,

Eu quero a sua paz e alívio drogante

Porque hoje eu entreguei minha espada

E os meus braços estão cheios de marcas

O meu peito sangra de tristeza e decepção

E o meu espírito se encontra em pedaços.

Lítio,

Meus dias são tão vazios

Meus sonhos são tão sombrios

Eu não consigo me encontrar nesse abismo de dores órfãs

Neste castigo intenso e sufocante que é acreditar no que é lindo.

Minha alma ainda busca alguma luz

Alguma resposta ou algum sentido

Para tudo isso que inevitavelmente sou condicionado a viver

Para tudo isso que diariamente sinto.

Lítio,

Eu não quero esquecer como é acordar e perceber o brilho e a beleza do sol

Mas em minha mente tudo parece desaparecer

Constantemente vejo todos os meus anjos caindo

Em minha frente, derrotados, sangrando

E eu estou inerte

E eu nada posso fazer.

Lítio,

Traga a paz ou o descanso escasso

Um lago escuro e profundo para que eu possa esquecer

De todas as dores do mundo

De todas as dores de se viver.

E lítio,

Não me roube a lembrança ou a esperança

De que um dia eu poderei encontrar a minha esperança perdida de viver

Que lentamente e dolorosamente foi-me tirada ao amadurecer

Neste caos externo que esmaga o meu mundo interno

Neste eterno teatro que nos é vendido

Para que possamos servir de mão-de-obra para muitos carniceiros.

Lítio,

Um dia eu acreditei em tudo

E cometi um dos meus piores castigos:

O de me odiar por querer viver.

Ouvi todo tipo de discurso de ódio sobre mim

Tentando me calar

Me latrocinar com ilusões de um paraíso vendido

Para enriquecer demônios terrestres que pregam o ódio através do nome daquele que da morte nos salvou e nos libertou da escuridão vigente que se prolifera até hoje através de seu nome

Adestrando ovelhas fracas e cegas de dor, que sem direção, vivem mais um caminho de terror.

Lítio,

Pode me amar?

Me abraçar enquanto durmo?

Por toda essa vida eu estive tão sozinho

Abandonado por quem devia me amar

Eu segui chorando em meus sorrisos.

Então, me abrace e me diga que tudo amanhã fará sentido

E que eu ficarei bem por muito tempo sem você comigo.

À noite,

Tudo que vivi e que minha frágil mente não pôde suportar

Vem sombrear meus pensamentos carregados de dores intensas e de medos tão reais

Que já não adormeço e nem encontro a minha preciosa e salvadora paz

E tudo que posso fazer é escrever

Para enfim, tentar espantar todos estes fantasmas

Que se aproximam para dar vida as minhas mortais lembranças

Na tentativa incessante de me adoecer

Roubando-me a sanidade

Fazendo-me desaparecer de mim mesmo

Dos meus sonhos

Castrando-me a esperança de um dia me encontrar com a esperança da beleza de viver.

Drogo-me de você,

Pois aquele garoto que foi rejeitado pelos pais ainda quer viver

Mas o fardo é pesado demais.

Então eu apanho mais alguns comprimidos

Para que minha inconsciência não venha me derrubar

Esmorecendo-me até enlouquecer.

Afinal,

Toda a minha vida foi uma luta contra a minha inconsciência

E os desejos cruéis do mundo em me aniquilar

Para dar continuidade nesse modo desumano de viver.

Aprisionados em suas vaidades, todos estão amarrados em um poste

Com suas bocas lacradas de covardia e perversão

Onde a civilidade acaba onde começa ao poder

E assim continuam a perpetuar sua espécie famintas de sangue

De dor e tortura,

Famintas para cristalizar o sofrimento de quem não tem o que comer.

Tudo em nome do nosso mártir que morreu para que pudéssemos viver.

A Terra é uma floresta cheia de animais selvagens e covardes

E mesmo quando se está caído, há abutres sugando seu sangue

A fim de dar continuidade a essa heteronormatividade

Que só nos castram a liberdade de existir

De sermos livres e viver conforme somos realmente.

Todos querem devorar sua carne e beber de seu sangue.

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

E sorrindo à noite,

Todos se reúnem e brindam os números de mortes diárias

Com champanhe e caviar da tanatopolítica do Estado

Com alegria e orgulho de controlar o pensamento crítico livre

Fazendo de milhares:

Meras vidas a se apagar quando sua mão-de-obra não mais servir ou de nada prestar.

Então lítio,

Diga-me que há algo a se esperar amanhã

Cante-me uma canção de ninar

Enquanto eu tento encontrar o meu lugar neste paraíso queimado por Igrejas, soldados do Estado e pela vaidade e soberba da elite que nesse curto tempo que é a vida, só conseguem amar o Poder.

E amanhã, quem sabe

Eu estarei curado de toda essa noite, que foi noite durante todo o dia

Quem sabe, lítio

Você me droga todos os dias

E assim, fraco, tentando me fortalecer

Eu encontre alguma saída neste caos

Que ameaça desabar em nossas mentes diariamente afim de nos dizer:

Todos vocês estão iludidos.

A vida se foi há muito tempo.

O que restou aqui são ilusões para se viver.

Plástica, futebol, academia, sexo, religião, moda e publicidade.

Todas elas fazem de nossas dores, coisas supérfluas. Afinal, sofrer pra quê?

Compre um celular novo! Vá viajar! Vá viver!

E não temos tempo.

Fazendo-nos paralisar nossos questionamentos, nossa capacidade de qualificar os nossos pensamentos. Para que assim, possamos viver: obedecendo.

A felicidade é uma mentira vendida para enriquecer quem está no poder.

A infelicidade é o alvo da riqueza.

E você: o fomentador de toda essa tristeza.

Me drogando,

Amanhã espero não me lembrar de tudo isso.