0_091.jpg
Eu ainda me lembro...
 Ao chegar á mansão dos pássaros, como era chamada pela redondeza, seu rosto tinha aparência de cansaço e um ligeiro desalento. Nessa viagem matinal, havia suspiros sussurrantes do passado. Numa interminável  lágrima de dor, o casarão se enchera de ausências.
 No rosto tristonho rugas firmes. Traços de antiga beleza. Olhos perdidos no vazio que ele mesmo cavou. Não mais importa. Não mais.
 Quantas vezes, da sacada, via o sol desabar por trás da serra, levando paisagens de véus coloridos. Hoje, arco-íris desbotados, impregnados na memória.
  Eram anéis de Saturno girando, girando... O ar carregado trazia um cheiro estranho de coisas antigas, guardadas, esquecidas... Há quanto tempo! Naquele instante, um êmbolo queria obstruir seu sangue que borbulhava nas veias.
 Parecia Saber que aquela seria sua ultima visita aquele lugar encantado que construiu, com sua amada e saudosa esposa em tempos vindouros. Sua ida foi para separar e recolher pertences.
 Ali, acolá, encontrava restos de si mesmo, espalhados nas salas, na capelinha e nos jardins.  Costurava com a mão da sabedoria, cada nuança do olhar, cada palavra, cada gesto.
 Queria desafiar a misteriosa armadilha dos anos. E assim o fez.
 Exaurido, deixava-se cair na única cadeira da varanda, com os dedos rígidos, inclementes. Enxugava lágrimas invisíveis com o manto da alma.
 Perguntava-se: O que a vida fez comigo? O que a vida quer mais de mim?
 De súbito, um barulho perto dele. Era uma lagarta de fogo que se desprendia de uma palmeira povoada delas. Levanta-se. Encosta a ponta do seu sapato e a larva ainda estava viva depois da queda.
     Em meio a compassos de sonhos, a metamorfose acontecia. Rompia um casulo, invólucro que guarnecia em repouso perfeito de asas e prumo, sobre o dorso adormecido. Varava o tempo com anteras dilatadas do olhar, polarizava suas vontades. Tinha ainda os olhos dardos de deleites pelas rosas vermelhas e pelo jasmineiro de estrelinhas perfumadas do seu jardim.
 Um vento repentino escalava um aroma insinuante que fazia bater, apenas, uma badalada do sino da capela.
 Um bem-te-vi o saudava, um zunido de abelhas a o despertava, uma borboleta azul bordejava o ar.
 É hora de ir. Atrás de si, os portões se fechavam, ele parecia saber que para sempre. As árvores da alameda todas plantadas por ele, enfileiradas, eretas, estavam repletas de flores frescas.
 Seus troncos, alguns descascados pelas friezas dos descasos, outros rugosos, abraçavam lagartixas e formigas em cortejo.
 A relva verdinha se fantasiava com florezinhas amarelas. Sorriam para ele.
 Profunda mudança de imagens e reflexões neste fim de tarde. Bem perto dele, a mesma borboleta chamava sua atenção: Dobrava e desdobrava as asas nas folhagens como se o convidando a brincar de esconde-esconde, enquanto o entardecer adormecia sua historia por detrás da serra.
Zeni Silveira
Enviado por Zeni Silveira em 07/06/2014
Código do texto: T4836199
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.