Candidato Único Fica Em Segundo Lugar
Esta história aconteceu comigo nos idos dos anos 80 do século passado numa pequena cidade do interior de Minas, por acaso minha terra natal. Recém formado em matemática na capital, fui lecionar em Diamantina, hoje patrimônio cultural e histórico da humanidade, numa das escolas mais tradicionais da arquidiocese local. Lecionava matemática e física para o ensino médio, então 2º grau, quando fiquei sabendo que na minha terra abrira uma vaga de professor de matemática na Escola Agrotécnica Federal e que as inscrições para o concurso estavam abertas. Decidi participar a contragosto da minha esposa que é da capital e não gostava da ideia de morar numa cidade tão pequena e tão distante da sua. Além de recém formado eu era também recém casado. Mas fui assim mesmo. Dada a urgência da necessidade deste profissional no corpo docente da renomada instituição educacional, o processo de seleção ocorreu em três dias: o da inscrição do candidato, o do sorteio do tema a ser dissertado e o da dissertação em uma aula para uma comissão examinadora. O concurso consistia então em ministrar uma aula sobre o tema disciplinar previamente sorteado. Para garantir a lisura do processo, segundo as regras do concurso, o sorteio dos temas deveria ocorrer na presença de todos os candidatos e de toda a equipe coordenadora do certame. No dia do sorteio, dos três inscritos, todos três de cidades vizinhas da região, apenas dois compareceram e eu era um deles. Respeitados horário e prazos previstos, foi feito o sorteio. Fui sorteado com o tema Logaritmos e meu concorrente, Matrizes. Nós dois, candidatos, saímos comentando o resultado, no que meu oponente desabafou: "Cara, não sei nada de matrizes, nunca lecionei para o 2º grau. Eu acho que vou desistir". E eu, numa falsa demonstração de solidariedade, levantei a possibilidade de permutar os temas, já que, modéstia à parte, eu dominava os dois, mas ele prontamente retrucou: " ainda que o regulamento ou a comissão permitisse não adiantaria, pois também não sei nada de logaritmos". Encerrado o papo, nos despedimos e nos desejamos boa sorte. Fui para a casa de meus pais elaborar o plano de aula e me preparar para o dia seguinte. De posse do meu plano de aula no qual constava a dinâmica, a metodologia, materiais didáticos, conteúdo programático, objetivos gerais e específicos, apresentei-me no horário e data previstos para a realização da aula-prova. Depois de algum tempo de espera, um membro da equipe coordenadora anunciou que eu seria o único candidato, pois o outro não comparecera, certamente desistira. No fundo fiquei feliz e confiante. Da mesma forma me senti depois da prova, pois, mais uma vez, modéstia à parte, acho que me saí muito bem. Pedi a uma de minhas irmãs, que então morava na cidade, que me enviasse o resultado do concurso assim que fosse divulgado, porque eu precisava voltar para Diamantina. E assim ela o fez. Para a minha surpresa, e dela, o meu nome constava em segundo lugar. Como ela conhecia toda a história, indignada pediu explicação e então explicaram a ela que o candidato de Belo Horizonte havia me vencido em um único quesito: tinha mais tempo de docência que eu. O que sobrou de docência ao fictício candidato, faltou de decência aos organizadores do concurso. Na época eu poderia ter denunciado o fato ao Ministério da Educação, ao Ministério Público, à Polícia ou até mesmo à imprensa, mas eu era inexperiente e estava satisfeito onde estava e não tinha intensão mesmo de voltar para minha terra natal. Já ouvira falar que santo de casa não faz milagre.