A outra BEATRICE*
Era um dia sem cores. A alma fria desfarçava a sensação suportada pelo corpo com aqueles 6°C. Eu andava tentando fugir das ombras, das árvores e das folhas orvalhadas. A princípio, eu não sabia pra onde estava indo. Apenas sentia a necessidade de provar da solidão. Andar por andar, sem destino, sem compromisso. Somente andar.
E sentada numa pedra estava Beatrice. Na verdade não sei exatamente se esse era seu nome. Mas tinha olhar de Beatrice e cabelos, mãos, pés de Beatrice. A tristeza estava em seus olhos enquanto lia um livro de capa azul sem final feliz. Mergulhada no livro não notava mais nada ao seu redor. E era triste. Triste sua postura e penteado. Triste alma dentro de seus olhos.
Foi quando me lembrei de Beatrice, a outra Beatrice. Aquela que não se sentava em pedras e nem lia livros de capa azul. Sua alma alegre incendiava o meu inverno emocional.
Ah... Beatrice.
A outra Beatrice não tinha lágrimas. Os dias com ela sempre tinham cores. E bilhetinhos em cima da geladeira. Eram dias de derramar café nos casacos de moletom e ficar na beliche escrevendo histórias de verão.
Saudade das palavras que inventamos. Longe das praças e perto das escadas. Ah, pretérito imperfeito. Saudade do sol adormecendo e as estrelas cantando.
Porque Beatrice era o próprio sol, a própria luz. Era o refrigério, descanço e consolo. Beatrice era simplesmente Beatrice. E nunca mais haverá uma Beatrice como a outra Beatrice. Não me lembro se era bela, ou alta, ou calma, ou ruiva. Porque era e não é mais.
Não como esta que vejo sobre a pedra.
Não como tantas que há no mundo.
Não uma mera Beatrice.
Era uma outra Beatrice, que eu conheci e ninguém mais.