Eu não merecia, nós não merecemos.

Quando as torturas psicológicas tornaram-se feridas físicas foi como se eu tivesse sido empurrada de um abismo para um vazio interminável.

Na minha ingenuidade adolescente convivi com pequenas humilhações que considerava provas de amor. Me arriscava, chegava à beira daquele abismo , sem temer a sensação de perigo porque para cada “ Você não pode falar com ele “ eu me sentia passionalmente amada. Para cada “Odeio esse cabelo,deixe-o comprido” eu achava que estava sendo protegida.

Quem sofreu com isso foi minha alma, minha autoestima que estavam sendo surradas, tornando-se cheias de hematomas, doloridas. E quando a dor tornou-se insuportável eu gritei. Gritei por elas, por mim. Pena que ele não aceitou meu pedido de cura, e não satisfeito, feriu meu corpo.

No momento em que sua mão acertou meu rosto amorteci, eu parecia estar fora de mim, morta, sem sentidos. E quando me deu um chute me senti abandonada, sozinha, incapaz. Eu, que era a vítima, me culpava. E ele com seus olhos cheios de ódio esqueceu-se que eu era uma menina .

Corri. Mesmo quando alguém tentou me ajudar a vergonha não deixou. Procurei abrigo, e encontrei-o nas palavras de uma amiga, porque tinha medo de desapontar meus irmãos e meus pais.

E na época em que, de alguma forma nós ainda nos iludimos com a bondade das pessoas tive que enfrentar sozinha as agressões que não acabaram naquela noite de domingo. Aterrorizada por telefonemas anônimos e pichações difamatórias tinha medo por mim, pelos meus amigos. E queria morrer quando meu pai encontrava meu agressor e se deixava levar pelo cinismo, algo perversamente comum nesses homens que acham ser donos das namoradas, das mulheres.

Aos poucos fui perdendo aquele medo que me invadia toda vez que o encontrava. E depois de anos , quando , em sua última tentativa doente de me humilhar ele deu a entender que tinha se interessado por uma amiga , gritei novamente, olhei em seus olhos e gritei com muito mais forças: - DEIXE-ME EM PAZ!

Surpreso, só conseguiu balbuciar um pedido de desculpas. Que para mim foram a mesma coisa que nada. Só me importava com a minha vida e que ele fosse para bem longe dela. Mesmo que eu tenha tido que esperar nove anos por isso.

Agora quando lembro que tive vergonha de decepcionar minha família após ser espancada por uma pessoa que deveria me proteger, já que dizia me amar tanto entendo que fui agredida duplamente: Por aquela surra e por um mundo que culpa a mulher nos momentos em que ela só precisa de atenção, de amor, de compreensão. Eu era jovem, e não tinha consciência alguma da luta que travamos todos os dias não só contra homens que nos encaram como párias mas também contra algumas mulheres que, ainda cegas por uma sociedade patriarcal envolvem-se em julgamentos e agressões contra suas amigas, colegas, irmãs.

Hoje entendo que eu não merecia tantos anos vivendo em um inferno pelo qual apenas uma pessoa era culpada: E não era eu, com meu comportamento, meus amigos, meu jeito. O culpado era e sempre será quem me feriu, me humilhou. O culpado sempre será o agressor, sempre!

Débora Consiglio
Enviado por Débora Consiglio em 05/06/2014
Código do texto: T4833392
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