MAÇONARIA- UM PORTO DESATIVADO?
Por conta das minhas atividades literárias costumo ir a Parati para participar da semana de literatura que todo ano se realiza naquela linda e aprazível cidade histórica do Rio de Janeiro. Parati já foi um dos portos mais ativos do Brasil na época da colônia. Era ali que todo ouro extraído das Minas Gerais embarcava para a metrópole, indo enriquecer a coroa portuguesa, que infelizmente, diga-se, pouco proveito soube tirar disso tudo, porque o ouro do Brasil, na verdade, acabava indo parar nos cofres do Loyds Banks, de Londres, drenado pela famosa teoria das vantagens comparativas. Vantagens que eram sempre dos ingleses, diga-se.
Sentado numa pedra próxima onde havia o antigo Porto de Parati, como a prostituta da canção italiana que Chico Buarque traduziu, lembrei-me do discurso que um Irmão fez em uma seções de uma Loja que eu estava visitando. Ele comparou a maçonaria de hoje com um porto desativado. Esse Irmão, um coronel reformado da Polícia Militar, nostálgico defensor das virtudes da Revolução Redentora, que nos deu vinte e cinco anos de ditadura militar, evocou essa comparação por conta do momento político que estamos vivendo, fervilhante de feridas sociais mal curadas e que vem convulsionando esse paciente sempre mal tratado, que é povo brasileiro.
Não deixei de pensar que a metáfora tinha sido bem empregada. Dizia ele que a maçonaria parece hoje um porto desativado, pelo qual os ricos transatlânticos e os grandes cargueiros passam ao largo sem aportar. Como eu estava em Parati, um antigo porto desativado, não pude deixar de fazer a ilação.
O nosso cérebro inconsciente hospeda relações insuspeitadas. Basta uma palavra, e eis que ele começa a estabelecer uma rede infinita de relações. De repente, não deixei de concordar com o nosso Irmão coronel. Realmente, já houve um tempo em que a maçonaria era um fervilhante porto por onde os grandes transatlânticos e os mais importantes cargueiros, transportando as mais ricas cargas, aportavam. Pois era nas colunas do Oriente e do Ocidente que as grandes questões nacionais eram discutidas, depuradas, filtradas e muitas vezes, tinham soluções encaminhadas pelos Irmãos que frequentavam essas colunas. Por que nelas se sentavam as pessoas mais influentes da sociedade, os principais atores da cena política, social e econômica do país.
A comparação ficou ainda mais forte na minha mente quanto lembrei que os maiores portos do país, Santos, Rio, Recife e Salvador, foram, no passado, grandes centros de atividade maçônica, por onde passou boa parte do sangue que alimentou a história do nosso país. Uma coisa puxa a outra. Lembrei-me então do que aprendi sobre a história da maçonaria e dos Irmãos que a honraram no passado. Como uma boa parte (e talvez a mais importante) da História das nações do Ocidente foi costurada na intimidade das Lojas maçônicas.
O nosso Irmão coronel, na sua arenga melancólica e nostálgica, reclamava da indiferença com que a maçonaria está vendo a degringolada dos nossos valores morais, a podridão que contamina o nosso ambiente político e social, a fratulência com que as nossas autoridades estão lidando com o crime organizado( permitindo que eles se organizem cada vez mais), a crise de moralidade que atinge todas as nossas instituições (─ alguém já viu um Supremo Tribunal Federal mais incompetente tecnicamente e mais comprometido com a corrupção do poder que o atual? ─ perguntou ele) e tudo o mais que está acontecendo nas ruas do país?
De fato, já houve tempo em que as Lojas maçônicas eram um porto fervilhante, onde as grandes questões nacionais eram discutidas e muitas vezes, encaminhadas. Talvez até mais do que os palcos das tribunas legislativas, onde os políticos exercitam, diariamente, a sua habilidade histriônica, e dos balcões de negócios que são as repartições públicas e os gabinetes ministeriais, era nas Lojas maçônicas que as decisões mais importantes acabavam sendo tomadas.
Recordo as palavras do nosso Irmão coronel e não posso deixar de sentir uma certa melancolia. Posso não compartilhar das motivações dele, pois não tenho nenhuma saudade da ditadura militar. Eu já era suficientemente ativo na época e a minha experiência com o regime não me trás qualquer recordação agradável.
Como dizia o velho Catão, senador romano dos tempos anteriores ao Império, a democracia mais corrupta é preferível á ditadura mais virtuosa. Mas compreendo e compartilho das preocupações dele. Principalmente quando ele se refere á maçonaria. Vejo que ela ainda atrai os elementos de escol da sociedade. Eles vêm para a Ordem, possivelmente atraídos pela história que a maçonaria escreveu no concerto das nações, história que está ligada aos grandes vultos da pátria, que foram, na sua maioria, maçons. Mas noto também que são poucas as pessoas proativas e realmente preocupadas com os rumos que a nossa sociedade está tomando que permanecem em nossas colunas. Vou fazer trinta anos na Ordem e as pessoas dessa qualidade que ainda estão lá, são, na maioria, as mesmas que encontrei lá quando entrei. Muitos “adormecem” logo após receberem o avental de mestre e não são raros os que simplesmente “morrem” para a maçonaria mesmo antes de se tornarem companheiros. Mas continuam atuando na vida pública e prestando importantes serviços comunitários fora da Ordem.
Certa vez perguntei a um desses Irmãos que abandonou a Ordem antes de ser elevado a Companheiro, e ele me disse que “aquele negócio de ficar sentado, quietinho, num canto da Loja, com as mãos em cima das pernas, impassível como uma estátua de faraó, ouvindo coisas que não tinha a ver com nada que o interessasse, não era com ele.” Outro me disse que sentia uma “samambaia no canto da sala. Mero enfeite e nada mais.” Não concordei e não concordo com eles. Acho que ainda existe muita atividade importante na maçonaria, mas não deixo de perceber que, no geral, ela está esmaecendo como uma velha fotografia, que aos poucos, vai perdendo a cor.
Voltando a Parati não posso deixar de ver como é bonita e aprazível essa velha e deliciosa cidade colonial. E como é bom e agradável passear por suas ruas, ver seus antigos casarões, respirar a rica história que sobrevive em suas ruas. Mas Parati descobriu que não pode viver só de história. Ela hoje transborda de vida. Seu porto está desativado, os ricos transatlânticos e os grandes cargueiros não mais aportam aqui. Mas a cidade encontrou novas motivações para viver e continuar sendo um rio por onde flui boa parte das grandes questões nacionais. Pelo menos nesta semana, quando a intelectualidade do país se reúne para divulgar suas ideias.
E a maçonaria? Será mesmo um porto desativado, como metaforizou o nosso Irmão coronel? E vai se deixar morrer como uma velha cidade abandonada, cujas ruínas só são conservadas para deleite dos turistas?
Por conta das minhas atividades literárias costumo ir a Parati para participar da semana de literatura que todo ano se realiza naquela linda e aprazível cidade histórica do Rio de Janeiro. Parati já foi um dos portos mais ativos do Brasil na época da colônia. Era ali que todo ouro extraído das Minas Gerais embarcava para a metrópole, indo enriquecer a coroa portuguesa, que infelizmente, diga-se, pouco proveito soube tirar disso tudo, porque o ouro do Brasil, na verdade, acabava indo parar nos cofres do Loyds Banks, de Londres, drenado pela famosa teoria das vantagens comparativas. Vantagens que eram sempre dos ingleses, diga-se.
Sentado numa pedra próxima onde havia o antigo Porto de Parati, como a prostituta da canção italiana que Chico Buarque traduziu, lembrei-me do discurso que um Irmão fez em uma seções de uma Loja que eu estava visitando. Ele comparou a maçonaria de hoje com um porto desativado. Esse Irmão, um coronel reformado da Polícia Militar, nostálgico defensor das virtudes da Revolução Redentora, que nos deu vinte e cinco anos de ditadura militar, evocou essa comparação por conta do momento político que estamos vivendo, fervilhante de feridas sociais mal curadas e que vem convulsionando esse paciente sempre mal tratado, que é povo brasileiro.
Não deixei de pensar que a metáfora tinha sido bem empregada. Dizia ele que a maçonaria parece hoje um porto desativado, pelo qual os ricos transatlânticos e os grandes cargueiros passam ao largo sem aportar. Como eu estava em Parati, um antigo porto desativado, não pude deixar de fazer a ilação.
O nosso cérebro inconsciente hospeda relações insuspeitadas. Basta uma palavra, e eis que ele começa a estabelecer uma rede infinita de relações. De repente, não deixei de concordar com o nosso Irmão coronel. Realmente, já houve um tempo em que a maçonaria era um fervilhante porto por onde os grandes transatlânticos e os mais importantes cargueiros, transportando as mais ricas cargas, aportavam. Pois era nas colunas do Oriente e do Ocidente que as grandes questões nacionais eram discutidas, depuradas, filtradas e muitas vezes, tinham soluções encaminhadas pelos Irmãos que frequentavam essas colunas. Por que nelas se sentavam as pessoas mais influentes da sociedade, os principais atores da cena política, social e econômica do país.
A comparação ficou ainda mais forte na minha mente quanto lembrei que os maiores portos do país, Santos, Rio, Recife e Salvador, foram, no passado, grandes centros de atividade maçônica, por onde passou boa parte do sangue que alimentou a história do nosso país. Uma coisa puxa a outra. Lembrei-me então do que aprendi sobre a história da maçonaria e dos Irmãos que a honraram no passado. Como uma boa parte (e talvez a mais importante) da História das nações do Ocidente foi costurada na intimidade das Lojas maçônicas.
O nosso Irmão coronel, na sua arenga melancólica e nostálgica, reclamava da indiferença com que a maçonaria está vendo a degringolada dos nossos valores morais, a podridão que contamina o nosso ambiente político e social, a fratulência com que as nossas autoridades estão lidando com o crime organizado( permitindo que eles se organizem cada vez mais), a crise de moralidade que atinge todas as nossas instituições (─ alguém já viu um Supremo Tribunal Federal mais incompetente tecnicamente e mais comprometido com a corrupção do poder que o atual? ─ perguntou ele) e tudo o mais que está acontecendo nas ruas do país?
De fato, já houve tempo em que as Lojas maçônicas eram um porto fervilhante, onde as grandes questões nacionais eram discutidas e muitas vezes, encaminhadas. Talvez até mais do que os palcos das tribunas legislativas, onde os políticos exercitam, diariamente, a sua habilidade histriônica, e dos balcões de negócios que são as repartições públicas e os gabinetes ministeriais, era nas Lojas maçônicas que as decisões mais importantes acabavam sendo tomadas.
Recordo as palavras do nosso Irmão coronel e não posso deixar de sentir uma certa melancolia. Posso não compartilhar das motivações dele, pois não tenho nenhuma saudade da ditadura militar. Eu já era suficientemente ativo na época e a minha experiência com o regime não me trás qualquer recordação agradável.
Como dizia o velho Catão, senador romano dos tempos anteriores ao Império, a democracia mais corrupta é preferível á ditadura mais virtuosa. Mas compreendo e compartilho das preocupações dele. Principalmente quando ele se refere á maçonaria. Vejo que ela ainda atrai os elementos de escol da sociedade. Eles vêm para a Ordem, possivelmente atraídos pela história que a maçonaria escreveu no concerto das nações, história que está ligada aos grandes vultos da pátria, que foram, na sua maioria, maçons. Mas noto também que são poucas as pessoas proativas e realmente preocupadas com os rumos que a nossa sociedade está tomando que permanecem em nossas colunas. Vou fazer trinta anos na Ordem e as pessoas dessa qualidade que ainda estão lá, são, na maioria, as mesmas que encontrei lá quando entrei. Muitos “adormecem” logo após receberem o avental de mestre e não são raros os que simplesmente “morrem” para a maçonaria mesmo antes de se tornarem companheiros. Mas continuam atuando na vida pública e prestando importantes serviços comunitários fora da Ordem.
Certa vez perguntei a um desses Irmãos que abandonou a Ordem antes de ser elevado a Companheiro, e ele me disse que “aquele negócio de ficar sentado, quietinho, num canto da Loja, com as mãos em cima das pernas, impassível como uma estátua de faraó, ouvindo coisas que não tinha a ver com nada que o interessasse, não era com ele.” Outro me disse que sentia uma “samambaia no canto da sala. Mero enfeite e nada mais.” Não concordei e não concordo com eles. Acho que ainda existe muita atividade importante na maçonaria, mas não deixo de perceber que, no geral, ela está esmaecendo como uma velha fotografia, que aos poucos, vai perdendo a cor.
Voltando a Parati não posso deixar de ver como é bonita e aprazível essa velha e deliciosa cidade colonial. E como é bom e agradável passear por suas ruas, ver seus antigos casarões, respirar a rica história que sobrevive em suas ruas. Mas Parati descobriu que não pode viver só de história. Ela hoje transborda de vida. Seu porto está desativado, os ricos transatlânticos e os grandes cargueiros não mais aportam aqui. Mas a cidade encontrou novas motivações para viver e continuar sendo um rio por onde flui boa parte das grandes questões nacionais. Pelo menos nesta semana, quando a intelectualidade do país se reúne para divulgar suas ideias.
E a maçonaria? Será mesmo um porto desativado, como metaforizou o nosso Irmão coronel? E vai se deixar morrer como uma velha cidade abandonada, cujas ruínas só são conservadas para deleite dos turistas?