POETA NÃO APRENDE A AMAR

O rádio do meu carro tocava “Malandragem” com Cássia Eller, e no trecho que diz “sou poeta e não aprendi a amar”, minha filha Alexia, com toda sapiência que tinha acumulado nos seus seis aninhos de vida, indagou: “Como assim, um poeta que não aprendeu a amar?” Fiquei surpreso com a sua compreensão sobre os poetas, acho que não tinha idade para isso, mas ela é assim, precoce. Tentei entrar no mundo dela arriscando alcançar sua decepção. Desapontada, sua expressão dizia que o mundo não tinha mais jeito. Um sentimento de desespero. Se os poetas não sabem amar, quem saberia? Se os mestres do amor se perderam, o que sobraria desse mundo? Para ela o óbvio é que os poetas nos ensinassem o amor com a pedagogia da prosa e do verso.

Como poeta, preciso me pronunciar, sem ser corporativista, mas como poeta-pai da pequena romântica. Os poetas, concordo, têm muito a ver com amor, porém eles falam dos amores que tiveram e dos que nunca conheceram. Dos amores bem amados e dos amores bem odiados. Dos amores aprendidos e dos esquecidos. Da sapiência amorosa e de sua completa ignorância. Do amor das pessoas e das pessoas do amor. Das coisas do amor e do amor às coisas. O poeta é um passional. Suas composições são frutos de afetos. Seus versos são inclinados, tendenciosos, imprecisos. O poeta é um suspeito que precisa dizer que não aprendeu a amar.

Os poetas só poetizam porque ainda não aprenderam a amar. Poetas são aprendizes. Poeta que se completa se torna estéril. Poeta que se completa produz escritos forenses. O poema é dúbio, é ambíguo, é contestável, é instável, assim como a vida, assim como o ser humano, assim como o amor.

Sou poeta e também ainda não aprendi a amar porque o amor é do tamanho de Deus, nunca alcançaremos sua completa compreensão. “O amor jamais acaba”. Amor é uma frase sem ponto final. Se a vida é cheia de vírgulas, o amor é reticências.

O poeta pode não aprender a amar, mas seus poemas nos ensinam. Vide Fernando Pessoa que disse: "Toda a poesia - e a canção é uma poesia ajudada - reflecte o que a alma não tem. Por isso a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste". O poeta fala do lado obscuro da sua alma. Fala de ausências, de saudades, de desejos e de significados, sem essas coisas jamais trilharemos a senda do amor.