BEBÊ FUJÃO
Conhece gente mal humorada, que vive ruminando, vê defeito em tudo e em todos e, se você deixar, vai ficar enchendo o seu saco? Eu também, mas quero distância desse tipo, que, no fundo e no raso, é um “chato de galocha”. Prefiro as pessoas que não fazem dramas, que “pegam limões e fazem limonadas”, que têm um riso fácil, e que acordam agradecendo a Deus pela oportunidade de viver mais um dia, só para transformá-lo em uma festa. Enquanto esses últimos são como a “cigarra” da fábula, os primeiros me lembram das “formigas” enfadonhas.
Se me perguntarem se é melhor ser uma ou outra, responderei como Aristóteles: “o caminho da felicidade é o meio termo”. Em outras palavras, nem tanto “cigarra”, nem tanto “formiga”, equilibrar as qualidades de ambas é o melhor. Ocorre que eu tenho um sangue doce para “formigas” enjoadas, daquelas que a gente tem de fazer um esforço enorme para não mandar picar um ferro. Por sorte, porém, tenho facilidade para atrair “cigarras” e acho que é porque eu, também, sou uma delas. Então, quando a gente se encontra é pura festa: língua solta, riso frouxo, violão e cantorias.
Entre as “cigarras” de que mais gosto está um amigo, que além de ser um hábil tocador de violão, é dono de uma voz melodiosíssima. Sua presença e participação em nossas festas é indispensável, pois junto com ele chega a alegria. Então, entre uma cervejinha e outra, um torresminho e uma cachacinha, ele toca e a gente canta, performaticamente, “Não se vá” de Jane e Herondy, “Maria Chiquinha” de Sandy e Júnior, ou simplesmente ele nos encanta tocando e cantando “Meu Reino Encantado”, “Fio de Cabelo”, “Blusa Vermelha”, “Boate Azul” e muitas outras.
Dia desses ele nos deu um susto: teve um peripaque... parecia que iria dar uma morridinha, mas graças a Deus isso não aconteceu, e ele está firmão entre nós. Descrevendo-me o seu quadro, disse que tudo começara com um inchaço enorme de barriga, uma sensação de paralisação dos intestinos.... Reconheci os sintomas que tenho, quando minha diverticulose ataca. Para quem não sabe, essa danada é a mãe da “diverticulite”, a doença que “levou” o ex. presidente Tancredo Neves sem dar a ele o mínimo gostinho de nos governar.
Prosseguindo, contou-me que após dois dias na UTI os medicamentos que lhe administraram começaram a fazer efeito, e ele teve muito desejo de ir ao banheiro. Constatou, contudo, que sua cama hospitalar tinha grades, que ele estava só de camisolinha, com soro no braço esquerdo e sonda urinária. Chamou uma enfermeira e manifestou seu desejo, mas a sonsa disse-lhe que ele poderia “despejar a encomenda” no fraldão mesmo.
O quê? Fraldão? Além de estar no bercinho ele estava de fraldão? Foi demais para o seu coração! Sentou-se na cama, arrancou a sonda, segurou o suporte do soro com a mão esquerda e com a direita tentou tirar uma grade da cama. Como não conseguiu seu intento, passou as pernas por cima da mesma e uma vez no chão, rumou com soro e tudo para o vaso sanitário e por lá ficou umas duas horas “entregando a mensagem”.
Melhorou tanto que teve alta no dia seguinte à tarde. Antes de deixar o recinto, entretanto, quis saber por que fora visitado por diversas enfermeiras diferentes naquela manhã. Descobriu que todas elas queriam conhecer o “bebê fujão”, flagrado pelas câmeras de segurança da UTI. Só então ele olhou para cima e descobriu duas delas. Imaginou a cena que protagonizara e os risos que certamente causara, mas não se chateou. Deixou a UTI, cantando a marchinha de carnaval: “Mamãe eu quero, mamãe eu quero...!”