Boa viagem pra mim!

Boa viagem pra mim!

Há muito tempo, estou me despedindo. Há muito tempo, comprei a passagem de ida. Não caibo mais por aqui. Não caibo mais em mim.

Chorei palavras, sangrei alguns “eus”, solucei vários sentimentos e daí? Quem se importará com a partida de um Poeta feito de lágrimas e dores?

Eu sou caneta, papel e dor!

O mundo não tem tempo para ler as minhas entrelinhas. Eu vivo no subterfúgio da palavra, na linha tênue de vida e morte.

Dê-me a mão! Ajude-me! Socorro! O Poeta pede arrego na madrugada.

O fim começa quando o início se recusa a começar sempre.

Jorro vida, mas morro em vida!

Há muito tempo, luto contra o tempo e o seu determinismo. Por que ele insiste em me ter? Por que querer-me por mais tempo? Tempo, entenda o Poeta, ele não consegue mais viver no mundo gangrenado.

O Poeta já não sou eu!

De tudo escrito, gritou um verso de despedida. Adeus, adeus, adeus... Mas resta ainda a reticência e ela afirma que há continuação. “Mas não há caminho, caminhante”!

Que a vida me perdoe, mas a morte é algo desejado desde o dia do nascimento. Morrer é completar a jornada.

Alguns demônios amaldiçoaram o Poeta. Alguns Poetas escreveram com o Poeta. Alguns Poetas nasceram do Poeta primeiro. Alguém não aceitou esmola e, em troca, ofereceu suas frases. Doutor sem título.

O Poeta não sabe mais rimar!

Chorem carpideiras, pois não haverá lágrimas no funeral de uma poesia.

O Poeta atrapalha a vida! O Poeta faz o mundo tropeçar!

O tempo da escatologia chegou para o Poeta e todas as previsões mostram céu plúmbeo para a próxima rima.

Há muito tempo, espero o “trem das sete horas”; na estação, em frente ao cais, onde tudo é silêncio e dor. O silêncio que berra, vocifera nas noites de dilaceração da criação e a dor que lateja no âmago da solidão criativa.

O Poeta viveu o que tinha que viver.

O Poeta quebrou o contrato de vida e mundo.

Há muito tempo, o tempo aprisionou o Poeta e eu e fez “eus” para suportar mais o tempo da espera.

A espera faz conviver com as agruras no submundo de mim mesmo.

O Poeta sou “eus” e eu sou resultado do holocausto de mim mesmo.

Estou ouvindo o apito do trem! A passagem na mão, a mala feita; hora de ir.

Boa viagem pra mim!

Mário Paternostro