Domingo à noite

Domingo à noite, a calçada vazia, mas mesmo assim ele olha para trás antes de fazer da árvore o seu mictório particular. Ao longe, enxerga uma quadra de basquete, mal iluminada, mas ainda com jogadores. O resto é silêncio. Alivia-se, continua caminhando e se lembra de ligar o rádio do telefone celular. Chega enfim à parada de ônibus, mais cheia do que de costume. Usa fone de ouvido, mas o volume é tão alto, e a noite é tão quieta, que todo mundo ouve o mesmo que ele.

As pessoas estão distantes umas das outras e trocam olhares de mútua desconfiança. É a parada usada por fiéis de três igrejas diferentes, católica, presbiteriana e batista, mas já não são muitos aqueles que se arriscam a voltar de ônibus da casa do Senhor. Um jovem segura a sua Bíblia e outro, mais distante, o boletim dominical. Um terceiro, vindo de outras casas, segura uma garrafa de cerveja. Uma mulher gordíssima senta-se perto dele. Estes estão todos sozinhos. Acompanhados, estão apenas um casal e uma mulher. Conversam sobre a missa e sobre os ônibus. Todos contemplam o horizonte com esperança, desejando que o letreiro luminoso que se aproxima seja o do ônibus que os levará para casa.

Mas já não são muitos os ônibus àquela altura da noite. Podem ter que ficar esperando ali por uma hora. Vários ônibus passam direto, não interessam a ninguém na parada. É preciso sinalizar energicamente se quiser que um ônibus pare. Às vezes ele só consegue parar longe do ponto, e as pessoas precisam então correr até lá. É o que faz o rapaz da cerveja, sai em disparada atrás do seu ônibus, mas quando chega lá descobre que aquele não lhe serve. Volta lentamente, senta outra vez na parada e bebe mais um gole da sua garrafa.

Chega o ônibus da mulher com o casal. Os dois não embarcam, estavam ali para fazer companhia a ela. Quando o ônibus arranca eles vão embora, caminhando, afastando-se aos poucos da parada e daquela melancolia de domingo à noite, superior a qualquer musiquinha do Fantástico.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 02/06/2014
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