As guias
Marinalva era uma mulher grande, gorda, espalhafatosa e sempre muito enfeitada. Além do cordão de ouro que sempre usava e das argolas escandalosas, hoje, especialmente, trazia no pescoço vários colares coloridos que sua patroa lhe dera para serem sorteadas na quermesse da igreja. O coração dela era bondoso. Paciência, no entanto, tinha pouca. Já fazia quase meia hora que estava no ponto do ônibus. Andava de um lado para o outro e olhava o relógio a cada dois minutos. Quando avistou o ônibus, se esticou o mais que pôde, mas o motorista passou por fora, deixando-a e aos outros, na mão. - Puta que pariu! Gritou. Saiu sem querer, mas com todas as letras. Mais vinte minutos se passaram até que veio outro ônibus. Ela entrou, se acomodou, tirou os sapatos e suspirou aliviada. Pelo menos conseguira um lugar, estava com sorte. Sempre agradecia aos céus um lugar para sentar aquele corpanzil que carregava. No ponto seguinte entrou um mulato alto, com uma capanga e um olhar que ela não gostou. Em um minuto ele estava sentado ao lado dela. - Vai passando a grana, minha nega. - Se eu tivesse grana até que te emprestava alguma - falou em voz alta – mas tá feia a coisa! Tô mais dura do que o teu....deixa pra lá. - Então vai passando esse colar. - Você tá ficando doido é? Eu vou te dar o colar que foi da minha avó? Só se eu tivesse louca! A alma da velha vai te buscar até no inferno, se for preciso. O cara já estava ficando mal-humorado e foi metendo a mão no pescoço de Marinalva - Tira essa mão daí, moço. Se você tocar nessas guias vai ter sete anos de azar. O preto velho que benzeu elas não brinca em serviço. Tudo que ele me disse aconteceu. Eu fui lá quando o Euzébio me abandonou e o velho disse que ia fazer ele brochar por sete anos. O pobre tá até hoje chupando o dedo. Ela se congratulou consigo mesma por ter tido tão brilhante ideia de inventar essa história. O ladrão, que era chegado a uma macumba, se interessou pelo assunto e já parecia ter se esquecido de que estava ali para “trabalhar”. - Diz uma coisa pra mim, esse negócio dá resultado mesmo? – perguntou interessado. - Claro que dá, meu filho – falou em alto e bom tom. Você tem alguma pendência pra resolver é só falar comigo que eu te dou o endereço. Você tem alguma coisa que escreva aí? - Não. Marinalva virou-se pra trás e perguntou a um passageiro se podia emprestar a caneta. O cara não tinha. - Não tem importância, liga pra mim que eu te dou o endereço, mas só à tarde, quando a patroa sai pra trabalhar. Você consegue guardar o número de cabeça? - Claro! O que é de meu interesse eu não me esqueço. Como vou esquecer tão gentil criatura. Marinalva lhe deu o número certo, quando poderia tê-lo dado errado. - Agora eu vou descer – disse esboçando um sorriso amarelo. Muito prazer em conhecer o senhor. - Não precisa me chamar de senhor, minha deusa. Senhor tá no ceu.. Eu vou descer com você. Esse lugar é muito perigoso, tem muito ladrão por aqui. Marinalva deu um sorriso e se deixou acompanhar até a porta de casa. Posso passar por aqui amanhã pra gente ir juntos ao terreiro? - Tudo bem, bonitão. Depois que se despediram ela começou a tremer. Chamou todas as vizinhas para lhes pedir ajuda. Era testemunha de Jeová, nunca tinha frequentado nenhum terreiro, não conhecia nenhum preto velho e ia ter que se virar. A duras penas conseguiu o endereço de um terreiro em campo Grande. No dia seguinte o bonitão telefonou e marcou encontro com ela para resolver os seus “pobremas”. Talvez resolva os dela também, que sempre se queixou de solidão.
Marinalva era uma mulher grande, gorda, espalhafatosa e sempre muito enfeitada. Além do cordão de ouro que sempre usava e das argolas escandalosas, hoje, especialmente, trazia no pescoço vários colares coloridos que sua patroa lhe dera para serem sorteadas na quermesse da igreja. O coração dela era bondoso. Paciência, no entanto, tinha pouca. Já fazia quase meia hora que estava no ponto do ônibus. Andava de um lado para o outro e olhava o relógio a cada dois minutos. Quando avistou o ônibus, se esticou o mais que pôde, mas o motorista passou por fora, deixando-a e aos outros, na mão. - Puta que pariu! Gritou. Saiu sem querer, mas com todas as letras. Mais vinte minutos se passaram até que veio outro ônibus. Ela entrou, se acomodou, tirou os sapatos e suspirou aliviada. Pelo menos conseguira um lugar, estava com sorte. Sempre agradecia aos céus um lugar para sentar aquele corpanzil que carregava. No ponto seguinte entrou um mulato alto, com uma capanga e um olhar que ela não gostou. Em um minuto ele estava sentado ao lado dela. - Vai passando a grana, minha nega. - Se eu tivesse grana até que te emprestava alguma - falou em voz alta – mas tá feia a coisa! Tô mais dura do que o teu....deixa pra lá. - Então vai passando esse colar. - Você tá ficando doido é? Eu vou te dar o colar que foi da minha avó? Só se eu tivesse louca! A alma da velha vai te buscar até no inferno, se for preciso. O cara já estava ficando mal-humorado e foi metendo a mão no pescoço de Marinalva - Tira essa mão daí, moço. Se você tocar nessas guias vai ter sete anos de azar. O preto velho que benzeu elas não brinca em serviço. Tudo que ele me disse aconteceu. Eu fui lá quando o Euzébio me abandonou e o velho disse que ia fazer ele brochar por sete anos. O pobre tá até hoje chupando o dedo. Ela se congratulou consigo mesma por ter tido tão brilhante ideia de inventar essa história. O ladrão, que era chegado a uma macumba, se interessou pelo assunto e já parecia ter se esquecido de que estava ali para “trabalhar”. - Diz uma coisa pra mim, esse negócio dá resultado mesmo? – perguntou interessado. - Claro que dá, meu filho – falou em alto e bom tom. Você tem alguma pendência pra resolver é só falar comigo que eu te dou o endereço. Você tem alguma coisa que escreva aí? - Não. Marinalva virou-se pra trás e perguntou a um passageiro se podia emprestar a caneta. O cara não tinha. - Não tem importância, liga pra mim que eu te dou o endereço, mas só à tarde, quando a patroa sai pra trabalhar. Você consegue guardar o número de cabeça? - Claro! O que é de meu interesse eu não me esqueço. Como vou esquecer tão gentil criatura. Marinalva lhe deu o número certo, quando poderia tê-lo dado errado. - Agora eu vou descer – disse esboçando um sorriso amarelo. Muito prazer em conhecer o senhor. - Não precisa me chamar de senhor, minha deusa. Senhor tá no ceu.. Eu vou descer com você. Esse lugar é muito perigoso, tem muito ladrão por aqui. Marinalva deu um sorriso e se deixou acompanhar até a porta de casa. Posso passar por aqui amanhã pra gente ir juntos ao terreiro? - Tudo bem, bonitão. Depois que se despediram ela começou a tremer. Chamou todas as vizinhas para lhes pedir ajuda. Era testemunha de Jeová, nunca tinha frequentado nenhum terreiro, não conhecia nenhum preto velho e ia ter que se virar. A duras penas conseguiu o endereço de um terreiro em campo Grande. No dia seguinte o bonitão telefonou e marcou encontro com ela para resolver os seus “pobremas”. Talvez resolva os dela também, que sempre se queixou de solidão.