LEMBRANÇA III
Ainda lembro-me perfeitamente de que, quando comprei a minha casa no recém construído Conjunto Guararapes, no Bairro da Várzea- Recife, diariamente, comprávamos pão na Padaria Rainha da Várzea.
Nos tardes sem chuva, quando eu voltava do trabalho, perto das 16:30h, minha esposa colocava as meninas nos carrinhos e íamos passeando até a praça do bairro, que ficava duas quadras adiante, visitar a padaria fartamente variada e muito bem iluminada.
O proprietário era um senhor corpulento, vermelhão, acredito que com mais de oitenta anos, português, muito simpático, que sabia fazer e, principalmente, manter freguesia fiel.
Ele ficava na caixa recebendo os pagamentos e, eventualmente, quando aparecia um daqueles fregueses por quem ele nutria algum afeto, aos berros, pedia a dona Maria, a esposa dele, para ficar em seu lugar enquanto ele vinha para o salão, fazer as honras da casa.
Ana Catarina, minha primeira filha, então com dois anos, pedia para descer do carrinho para ir falar com o Sr. Miguel.
Ele quando nos via chegar, vinha conversar com ela e, apesar do fortíssimo sotaque, acredito que ela entendia muito bem tudo o que ele falava.
Além dos pães de ótima qualidade e dos bolos, principalmente o inglês de sabor inesquecível, a padaria produzia uns biscoitos em forma de rosquinha, daquelas que as crianças costumam enfiar nos dedos fingindo ser anel.
Pois bem, seu Miguel pegava uma rosquinha, entregava a Ana Catarina e ficava esperando.
Ela passava a rosquinha para a mão esquerda e com a direita estendida dizia:
- Apaua.
Seu Miguel ria e entregava a outra rosquinha.
- Abigadu.
Ana Catarina agradecia e entregava a rosquinha de Ana Paula, que ainda não falava.
Depois de pagar a conta, dávamos uma volta na praça, cheia de crianças brincando nos gramados, e voltávamos para casa, com as filhas satisfeitas roendo as rosquinhas e sujando as roupas com saliva e muitas migalhas que também ficavam pregadas nos dentinhos incisivos, afiados e eficientes.
De segunda a sábado, a cena se repetia...
GLOSSÁRIO:
Abigadu - Muito obrigado
Apaua - Ana Paula
Palavras do vocabulário próprio da minha filha Ana Catarina, então com dois anos de idade.