O Último beijo

Foi no dia 01 de julho de 2009, uma quarta feira, que recebi de meu pai, seu último beijo.

Saí do trabalho e aproveitei para passar em sua casa, a nossa relação estivera abalada por um bom tempo, estávamos nos reaproximando. Foram momentos difíceis, algumas palavras trocadas de forma dura, coisas que nunca tínhamos pensado em falar um ao outro, foram ditas. Para que as ofensas não perdurassem, resolvi me afastar um pouco.

As idas diárias a casa de meu pai, foram dando espaço a algumas vezes na semana.

Eu sofria, ele também.

Sempre fui muito dependente dele, nada fazia sem antes receber sua aprovação. Ele era meu companheiro, meu parceiro, meu cúmplice, meu amigo.

Meu PAI, sempre foi meu maior HEROI.

Nessa distância tomada, tive que aprender a resolver muita coisa sozinha, coisas, que muitas vezes necessitava de sua opinião. Umas eu acertava, outras não.

A maturidade era necessária para mim, afinal pouco tempo restava para eu aprender a voar, sem que minha águia-pai me orientasse nesse meu voo solitário. Afinal a águia mãe empurra os filhotes para beira do ninho. Neste momento seu coração se acelera com emoções conflitantes, pois ao mesmo tempo que empurra sente resistência dos filhotes em não querer ir em direção ao precipício. Para eles a emoção de voar começa com medo de cair. Faz parte da natureza da espécie. Apesar da dor a águia sabe que aquele é o momento, sua missão deve se completar, mas ainda resta a tarefa final: O Empurrão. A águia enche-se de coragem, ela sabe que enquanto seus filhotes não descobrirem suas asas, não entenderão o propósito de sua vida, enquanto não aprenderem a voar, não compreenderão o privilégio que é nascer águia, assim o empurrão é o maior presente que ela pode oferecer a eles.

A vida me empurrou, precisaria aprender a voar, a decidir, precisaria da maturidade e da experiência de aprender a viver sem meus pais ao meu lado.

Lembro-me que quando comprei o meu carro, queria que ele estivesse ao meu lado também, mais fomos sós, eu e meu esposo. A marca já estava escolhida, carro para meu pai era Chevrolet, afinal seu Trovão Azul o acompanhara ao longo de mais de trinta anos, sempre fiel e muito bem cuidado. Na verdade, queria fazer uma surpresa ao meu pai, mostrar que já tinha maturidade para fazer minhas próprias escolhas. Sem que eu soubesse, meu pai já sabia da minha intenção de comprar meu primeiro carro. Recebemos o carro em abril, mês de seu aniversário.

Toda feliz, ao receber o carro, a primeira coisa que fizemos, eu e meu esposo, foi leva-lo pra meu pai ver, queria que ele dirigisse e se quisesse até trocaria de carro com ele. A proposta foi feita, mais ele não aceitou, preferiu ficar com seu Chevette Tubarão, ano 1976. Meu pai ficou feliz!

Sem saber, nem eu, nem ele, nos despedíamos pouco a pouco.

A aproximação foi lenta e necessária, amávamos muito, e sem esse reencontro, sua partida seria fatal para mim.

Nesse dia, 01 de julho, não conversamos muito, afinal meu pai estava trabalhando em sua oficina. Cheguei, pedi sua benção, me abençoou, enquanto concluía seu trabalho. Esperei um pouco, afinal, não tinha pressa. Alguns minutos depois, serviço terminado.

Olhei meu pai pela última vez, precisava sair, me aproximei dele novamente. Pedi sua benção de despedida. E em uma atitude quase que inesperada, meu pai beijou minha testa, olhou em meus olhos e disse:

-Filha, eu gosto muito de você.

Abracei meu pai, sem consegui lhe falar mais nada, o abraço já disse tudo.

Essa foi nossa despedida.

Depois desse dia, meu último abraço, meu último beijo, foi em seu corpo inerte e sem vida.

Charlene Viana Magalhães Brasil

01/06/14.