Num domingo
O ano era 1962. O mês era dezembro. O dia era um daqueles em que tínhamos a certeza de que tudo iria correr bem, pois era domingo. E domingo em Macaé, a gente partia prá praia de Imbetiba, onde toda a molecada chegava cedinho, para seguir o mesmo ritual: após deixar a sandália Havaiana na areia, junto com a camiseta, um mergulho do trampolim, do "Rodrigo", da varanda do hotel ou da “redonda” , era a primeira ordem do dia. Às vezes, escorregava o pé na pedra, e dava a maior barrigada. Quem manda não saber pular. Depois, a disputa de fôlego embaixo d'água. Em seguida, a de nado. Tinha que rodear a pedra do trampolim. E o mar batendo, jogando prá cima dos mariscos, apavorava os mais medrosos. Quem não fosse, era "mariquinha", e o último a chegar, "mulher do padre".
Se fosse dia de semana, a gente levantava prá ir embora com o " búzio" da Leopoldina, mas domingo, o que motivava a saída cedo da praia era a matinée do Taboada, que começava às 15:00h. E ainda tinha que passar no Mercado, prá dar um salto "canivete" da muralha, subir rapidinho pelas cordas que amarravam os barcos, correr prá casa, almoçar uma macarronada e partir pro cinema. Mas antes, tinha que levar os gibis prá trocar:
- Dois Cavaleiro Negro por esse almanaque de Aí Mocinho! ?
- Não dá não. Só se você der esse Tarzan ou esse Mandrake de lambuja.
- Ah, aí eu levo manta. Dou esse Fantasma sem capa.
E o negócio fechado ou não, a gente corria até em casa prá deixar a pilha de gibis, e voltar pro filme. Às vezes, uma chanchada da Atlântida, com Oscarito, Eliana e Grande Otelo. E depois, o seriado, a diligência, a mocinha e o mocinho caindo no precipício... continua na próxima semana.
Na saída, com os olhos acostumando com a claridade da tarde, a gente corria novamente prá casa, lia alguns dos gibis trocados, e voltava prá rua Direita, que após anoitecer, parecia que se transformava num mundo maravilhoso e turbulento. O trânsito era fechado para os carros, e uma multidão de pessoas invadia aquele trecho da rua, num vai-e-vem contínuo, barulhento e alegre.
A gente não podia deixar de ir no Lar de Maria, tomar um caldo-de-cana no copo de papel, comer um pastel feito na hora e jogar no ratinho. Que não era ratinho, era preá. Tinha uma roda, com as alças, e várias caixas, cada qual com uma abertura. Após a venda dos cupons, a roda era girada. Um cesto com a preá, no meio da roda, era levantado. A preá ficava meio doidona, sem saber qual era, e, aos gritos dos apostadores, partia para uma das caixas, a qual era virada, e colocada no centro da roda.
-Casas Chaloub... quem ganhou...?
Nos cavalinhos, já tinha até um certo. Só andava no pintado de verde. E saltava com ele andando, com direito a bronca e tudo:
- Se continuar a fazer isso, vou falar com seu pai, e você não anda mais.
Os mais avançadinhos, já compravam, de meia, uma carteira de cigarros, escondido. Que era fumada toda - sem tragar - atrás da Prefeitura. Depois, chicletes e folha de laranjeira prá tirar o cheiro.
Mais tarde, uma Grapette ou um Crush em Zé Calil, uma cocada em Dona Dadá, ou um sorvete batido com leite no Belas Artes, prá gastar o restinho do dinheiro que sobrou, da venda dos canos de cobre e de chumbo, amassados, em Seu Faria.
Quando, na última rodada pelos bancos da Prefeitura, a gente ouvia os acordes de Licínio e seu Conjunto, prenunciando o início da boite no Ypiranga; era o sinal que a noite prá gente estava terminando, fazendo com que todos voltassem para suas casas.
E o encanto mágico daquele domingo ia se desfazendo aos poucos, ao som de Moonlight Serenade...