Dando um tempo.
Por Carlos Sena
O POVO TEM ESSA HISTÓRIA DE "dar um tempo". Quando as relações estão frias, quando o encanto acabou, "vamos dar um tempo". O pior e que na maioria das vezes as pessoas sabem que não adianta nada esse tempo que se pretende dar. Porque as coisas já estão resolvidas por dentro. "Dar um tempo" seria apenas como passar manteiga na venta do gato.
O ser humano é meio esquisito na hora de decidir as coisas. Principalmente as coisas do coração, melhor, da afetividade. Adoro essa expressão "afetividade" porque sempre lhe vejo atrelada a "amorosidade". Do se humano? Apenas a constatação de que não avançamos muito em nossa direção. E, mesmo assim, queremos avançar na direção do outro. Quando isso mingua, "vamos dar um tempo" sempre será uma "muleta" de desculpa. Ora, o tempo, enquanto entidade negociada sequer é consultado. Mesmo assim o povo lhe dar a esmo. Pior: tem gente que acredita. Talvez porque viver de ilusão mais dia menos dia domine a realidade concreta, nua e crua, mais nua do que crua.
Dar um tempo deve ser feito dentro de cada um. Negociar fracassos afetivos com o tempo não cola. Cala. Cala e remete os interlocutores a várias sessões de psicoterapia. Ou não?
Talvez nos falte o exercício da franqueza, mesmo nos casos em que o outro esteja fragilizado. Porque o tempo nos ignora em sua sabedoria. E nos remete a novos recomeços pela doce ilusão de que ele a tudo conserta é a todos reconforta. Sair das relações é como entrar nela. Como nossa vida tem prazo de validade, por que querer do tempo respostas que ele não dispõe?