UM MARIDO TRAIDO E UM FIM INESPERADO.
A lei Penal na época que fui delegado de polícia penalizava quem traísse por adultério,isso na década de 70,quando era titular e encarregado dessa área na cidade de Tanabi,interior do Estado de São Paulo.Hoje, esse artigo foi revogado como crime,valendo só para fins de prova em pedido de separação do casal,por divórcio ou separação amigável e ou também litigiosa,na área cível. Nada além disso.
A cidade de Tanabi,na época, era pequena,pacata e quase nada acontecia...De repente,ouviu-se barulho de portas da perua Kombi fechando. Tudo ao mesmo tempo...Qualquer um identificava esse barulho,sem olhar para o veículo,eis que a característica desse meio de transporte é tosco,rude e serve para cargas...O barulho de portas batendo era inconfundível! Realmente era assim uma Kombi.
Desceram dez homens aproximadamente, desse veículo que já não é atualmente mais fabricado, sendo um deles, o mais agitado e perturbado, era o marido supostamente traído, ferido em sua honra, além de parentes. Até um fotógrafo apareceu na comitiva,com máquina Rolleiflex, delegacia adentro...foi-me apresentado pelo indigitado.Afirmava que era de São José do Rio Preto-(30Km de Tanabi) e que sua mulher estava em uma casa e sabia onde era e estava acompanhada de outro homem. Pedia providências...imediatas!! Traição! Indignação. Revolta.
Não tive outra alternativa senão chamar o comandante do destacamento da polícia militar que reuniu não mais que os três soldados presentes(esse era o que se tinha de efetivo) e com jeep chapa branca e rumamos ao local,sem a presença do marido que determinei,deveria permanecer na delegacia,aguardando a diligência. O marido não tinha condições emocionais para acompanhar a diligência.Estava descontrolado.
Fomos desarmados.Chegamos ao local e era na casa da viúva do ex-cangaceiro paulista,conhecido por Vieira,famoso de tempos passados que era temido pelas mortes que tinha nas costas e era na Alta Araraquarense,um dos últimos temidos pistoleiros do sertão paulista,onde a lei era à bala e à faca. Vieira fazia questão de trazer ao mandante a orelha de sua vitima,para comprovar o prometido.Isso era o que contavam...
A viúva ficou então por Tanabi e recebia alguns casais...Vivia assim.Não sabia disso.
Ao abrir a porta,a viúva logo me recebeu com a expressão comum da cordialidade de bordel: “Vamos tomar uma cerveja!!”.
Disse-lhe que não, e que minha missão era um casal que acabara de receber e estava num quarto da casa. Era a polícia. Nada de cerveja.A viúva tremeu as pernas!Jamais esperava visita tão indesejada.
A casa caiu.
Após bater na porta e demorar alguns minutos para se abrir,junto com o fotógrafo,(vim a saber:era vizinho do marido-corno), a mulher ainda se encontrava de calcinha e “soutien” vermelhos,imóvel na cama,diante do inesperado...O seu companheiro era alto e se reagisse não poderia contê-lo,pois era forte.Estava de cueca.Nem deu tempo de vestir a calça.
O fotógrafo- nervoso-não conseguiu apontar a máquina para o alvo,ou seja, fotografar a infeliz mulher já sentada na cama,em estado catatônico, e, a máquina Rolleiflex fazia um barulho irritante no visor superior-retrátil,pois,o fotógrafo tremia sem parar nas mãos e pernas...Perdi a paciência,diante da cena-congelada da mulher- e disse:
“Tire logo a foto que você queria...Vamos tire logo a foto...Pare de tremer!!”
Após alguns minutos de espera,todos estavam prontos para serem levados de jeep para a delegacia,onde ansiosamente o marido esperava. Os parentes acompanharam a diligência,sob condição de ninguem intervir.
Na delegacia, o marido esgotou todos os palavrões possíveis e imagináveis,até que pedi para se conter...A mulher- passiva- nada respondia,nem seu companheiro.O fato estava consumado.O que não tem remédio,remediado está...
Indaguei do marido se realmente queria o flagrante-(xingava a mulher de adúltera) e expliquei que deveria,na conformidade da lei, em trinta dias, apresentar queixa junto ao Fórum da Comarca de Tanabi,sob pena de arquivamento do flagrante.Sem queixa não haveria processo. O marido fez um escândalo na delegacia com a mulher e seu amásio a ponto de se pedir moderação nas palavras e gestos...Finalmente,aceitou e se calou. O filme foi revelado no mesmo dia pelo fotógrafo na cidade para serem as fotos anexadas aos autos...
Disse que sim,queria o flagrante e assim ocorreu.Prometeu realizar a queixa junto ao Fórum local,no prazo legal(30 dias corridos).
Tive como escrivão excelente funcionário, Aurélio Vitollo (nome verdadeiro),que residia e estudava na Faculdade de Direito,em São José do Rio Preto...Mais tarde...bem mais tarde...Aurélio também fez concurso e entrou na carreira de delegado de polícia.
Como o tempo passava e os trinta dias se foram sem que o marido entrasse com a queixa formal no Forum de Tanabi,contra a sua mulher,conforme prometera,pedi a Aurélio Vitollo que fizesse uma visita nas proximidades de onde residia o casal...Só por curiosidade,eis que o fato deu muito trabalho e tempo,além de "levantar muita poeira" dentro e fora da delegacia no dia do flagrante. Aquele entra e sai que a gente já sabe e conhece...A notícia corre fácil ainda mais quando é dessa espécie..mundana e profana. A cidade não estava acostumada com escândalos.Todos eram de fora da cidade,residiam em São José do Rio Preto.
Assim foi.
Aurélio um dia, vindo de São José do Rio Preto onde vivia e estudava,embora trabalhasse,diariamente, em Tanabi, acabou por dar uma noticia-surpresa:
“Doutor, passei num bar da esquina da casa do marido enganado e vi o seguinte: o companheiro, a mulher e o marido-traído--- todos juntos,os três, conversando amigavelmente,num boteco,tomando cerveja,rindo e se abraçando..numa mesa de um boteco.Está tudo bem entre eles!!!”
A paz então voltou a reinar,no mundo e no universo,pensei. O triangulo amoroso se compôs, com extrema perfeição,como o teorema de Pitágoras!!! Com catetos e hipotenusas...conforme o gênio grego professorou.
Assim,sim.Nem tudo foi em vão.