Dez morrem à míngua, dois, logo após o resgate e cinco jamais deixarão um abrigo. Só um será adotado e amado até o fim de seus dias. Pouco, né? Não, para este um.
Manhã de sol e eu caminhava lentamente seguindo o cortejo da mãe de um amigo. Em meio aquele silêncio pesado, a memória me levou de volta ao dia em que foi o meu pai quem nos deixou saudosos e tristes. Restou-nos o consolo de sabê-lo descansado enfim, após anos de uma doença degenerativa e incurável e a esperança de um reencontro na vida eterna, alento cristão que nos acena como um farol no breu.
Era também um dia lindo de maio, mas, afundados na escuridão de nossas almas laceradas pela dor, era-nos difícil perceber que o Campo da Esperança, em Brasília, é pródigo em verde e flores.
De repente, dei-me conta de que é mesmo isso que acontece. Basta uma decepção, uma perda, uma frustração, para que sombras nos embotem o olhar, nos impedindo de ver quantas possibilidades a vida ainda nos oferece. Nenhuma estrada se apresenta viável, nenhuma seara proveitosa. Todos os nossos esforços, toda a nossa atenção está voltada para aquela angústia, aquela aflição.
Nessas horas, é preciso fé, amor próprio, amigos, familiares, paixão pela vida... Qualquer coisa que nos permita avaliar melhor nossa real situação, como uma lanterna, iluminar nosso caminho mostrando que, a despeito de tanta dor, logo ali à frente estarão dias melhores.
Lanternas precisam de pilhas, que devem ser sempre verificadas, para que estejam funcionais. A lanterna metafórica também ou será inútil quando as trevas de nosso espírito alquebrado se apresentarem e sua recarga acontece nos pequenos momentos de alegrias.
Porém, o que fazemos, muitas vezes, é justamente o contrário. Sugamos-lhe as energias focando seu facho nos probleminhas cotidianos, nos pequenos aborrecimentos, tristezas, tédios, enquanto carinhos, sorrisos e delicadezas passam quase desapercebidos ou são logo esquecidos.
Nossos dias são cheios dessas coisinhas doces e amargas. A propósito, é daí que vem a palavra “amargura”, que é a qualidade de quem cultiva mais essas últimas.
Celebrar cada pequena vitória! Esta deve ser a regra para manter a lanterna carregada. Principalmente para quem se envolve em ações humanitárias, onde as derrotas são tão frequentes.
Texto publicado no jornal Alô Brasília de 30/05/2014, reeditado a partir do texto homônimo, publicado neste Recanto das Letras em 19/11/2010.