Trágico e cômico
Era trágico e cômico, ao mesmo tempo. Os parentes reunidos, mesmo aqueles que passavam anos sem se verem, choravam fingindo um sentimento que não sentiam, na morte de seu Euzébio. O morto, com aquele quase sorriso, olhava cada um nos olhos, como se dissesse: bando de mentirosos! Dona Eulália, a esposa, vestida de preto, cor que o morto sempre detestara, só faltava dizer do alívio que sentia com a morte do marido. Mas ele bem que merecia. Havia aprontado poucas e boas com aquela bela senhora. Ela sabia, por alto, das suas aventuras, mas era de um tempo em que mulher não trabalhava, não era autossuficiente e que, quando casava, era para sempre, como emprego vitalício. Meses atrás vieram lhe contar, com todos os detalhes, da traição de seu marido. Ela ficou doente, deprimida, nervosa, até que conheceu Dorinha, professora nas coisas do amor. Dorinha lhe deu todas as dicas de como se podia trair sem ser descoberta. Desse dia em diante dona Eulália passou a fazer parte do grupo de voluntárias que ajudavam às crianças pobres. Saia sempre com uma sacola com arroz, feijão, doces, biscoitos e, por baixo de tudo, uma camisola transparente e sensual que fazia Manolo, o dono da padaria, entrar em órbita. Distribuíam os mantimentos e depois a voluntária ia prestar caridade num motel, bem perto de casa, onde o marido jamais imaginaria encontrá-la. Depois desse romance dona Eulália mudara de personalidade. Estava feliz, animada, cheia de vontade de ajudar. Só não queria saber do marido, que dizia para as amantes que sua mulher era fria. Só Manolo sabia que ela entrava em ebulição tão logo se desnudavam e rolavam pelo tapete, pela cama ou embaixo do chuveiro. Os filhos do defunto o olhavam, lembrando de todas as coisas horríveis que aquele pai lhes havia dito. Sentiam-se culpados por não estarem tristes com a passagem do pai. A empregada, que depois de trabalhar trinta anos naquela casa se sentia na obrigação de ir ao enterro, sentia um bem estar invejável. Não precisaria mais lavar aqueles lenços cheios de melecas nem as cuecas com os fundilhos sujos de quem não se limpa após fazer suas necessidades. Seu patrão era um homem porco. Até mesmo na aparência. Como podia ter aquela esposa tão bonita e educada ela não entendia. Estrupício, o cachorro, era o único que parecia sentir falta do dono. Entrou na sala onde estava sendo velado o corpo e se comportou como um órfão, triste e quieto. Não faltou aparecer alguém para dizer que o morto e Estrupício tinham um caso. O assunto esquentou quando alguém disse haver visto seu Euzébio e o animal em atitude suspeita. O morto teve vontade de gritar que aquilo era seu segredo, mas não tinha mais voz, não podia ser ouvido. Foi enterrado com o seu segredo espalhado por todo o bairro. Vivo fora conhecido como pessoa avarenta e desagradável. Morto foi muito pior. Ficou conhecido como amante do cachorro, o que era duplamente pejorativo. Ter um caso com um animal e, ainda por cima, do sexo masculino.
Era trágico e cômico, ao mesmo tempo. Os parentes reunidos, mesmo aqueles que passavam anos sem se verem, choravam fingindo um sentimento que não sentiam, na morte de seu Euzébio. O morto, com aquele quase sorriso, olhava cada um nos olhos, como se dissesse: bando de mentirosos! Dona Eulália, a esposa, vestida de preto, cor que o morto sempre detestara, só faltava dizer do alívio que sentia com a morte do marido. Mas ele bem que merecia. Havia aprontado poucas e boas com aquela bela senhora. Ela sabia, por alto, das suas aventuras, mas era de um tempo em que mulher não trabalhava, não era autossuficiente e que, quando casava, era para sempre, como emprego vitalício. Meses atrás vieram lhe contar, com todos os detalhes, da traição de seu marido. Ela ficou doente, deprimida, nervosa, até que conheceu Dorinha, professora nas coisas do amor. Dorinha lhe deu todas as dicas de como se podia trair sem ser descoberta. Desse dia em diante dona Eulália passou a fazer parte do grupo de voluntárias que ajudavam às crianças pobres. Saia sempre com uma sacola com arroz, feijão, doces, biscoitos e, por baixo de tudo, uma camisola transparente e sensual que fazia Manolo, o dono da padaria, entrar em órbita. Distribuíam os mantimentos e depois a voluntária ia prestar caridade num motel, bem perto de casa, onde o marido jamais imaginaria encontrá-la. Depois desse romance dona Eulália mudara de personalidade. Estava feliz, animada, cheia de vontade de ajudar. Só não queria saber do marido, que dizia para as amantes que sua mulher era fria. Só Manolo sabia que ela entrava em ebulição tão logo se desnudavam e rolavam pelo tapete, pela cama ou embaixo do chuveiro. Os filhos do defunto o olhavam, lembrando de todas as coisas horríveis que aquele pai lhes havia dito. Sentiam-se culpados por não estarem tristes com a passagem do pai. A empregada, que depois de trabalhar trinta anos naquela casa se sentia na obrigação de ir ao enterro, sentia um bem estar invejável. Não precisaria mais lavar aqueles lenços cheios de melecas nem as cuecas com os fundilhos sujos de quem não se limpa após fazer suas necessidades. Seu patrão era um homem porco. Até mesmo na aparência. Como podia ter aquela esposa tão bonita e educada ela não entendia. Estrupício, o cachorro, era o único que parecia sentir falta do dono. Entrou na sala onde estava sendo velado o corpo e se comportou como um órfão, triste e quieto. Não faltou aparecer alguém para dizer que o morto e Estrupício tinham um caso. O assunto esquentou quando alguém disse haver visto seu Euzébio e o animal em atitude suspeita. O morto teve vontade de gritar que aquilo era seu segredo, mas não tinha mais voz, não podia ser ouvido. Foi enterrado com o seu segredo espalhado por todo o bairro. Vivo fora conhecido como pessoa avarenta e desagradável. Morto foi muito pior. Ficou conhecido como amante do cachorro, o que era duplamente pejorativo. Ter um caso com um animal e, ainda por cima, do sexo masculino.