Mortes e ressurreições
Chega-me, de repente, o aviso de que uma cronista do interior de Minas Gerais não resistiu e faleceu. “Eu sei que vocês eram amigos”, justifica-se a mensageira da notícia. E eu me envergonho porque, até então, eu nem ao menos sabia que ela estava precisando resistir para não falecer. Saudosa Maria Olímpia! Eras uma ótima cronista, e não os temos tantos para que nos demos ao luxo de perdê-los assim. Aproveito a notícia da tua morte para fazer um balanço da nossa pequena história, reler conversas antigas e me espantar que, em cada uma delas, não havia o menor indício de que um dia estarias morta. Fico imaginando o que haveria de diferente caso soubesse que dali a alguns anos, em um dia de outono, desaparecias para sempre.
Mas hoje é o dia dos avisos fúnebres, pois eu nem bem havia trabalhado dentro de mim essa perda quando se anunciou outra. Um médico e pesquisador, assassinado a facadas por aquele que o jornal diz ter sido o seu companheiro. Em vida, jamais soube que era homossexual, e imagino que ele próprio nunca tenha alardeado a questão. Acontece então uma tragédia e o país inteiro descobre os detalhes da sua intimidade.
Ah, a vida é mesmo uma história cheia de som e fúria. Nos debatemos em cena por pouco mais de uma hora – e depois não se escuta mais a nossa voz. Outro dia ouvi que 200 anos é tempo suficiente para que ninguém se recorde de você. Acho até que é menos. E lembrei-me de um dito mexicano, segundo o qual cada pessoa tem três mortes: a primeira quando cessam as suas atividades vitais; a segunda quando o seu corpo é sepultado; e a terceira quando o seu nome é pronunciado pela última vez. Contra as duas primeiras não há o que fazer. Mas é sobre a terceira que se debruçam genealogistas, como o médico e como eu mesmo, arrancando nomes do esquecimento eterno e promovendo verdadeiras ressurreições. Comparado com o que foi a vida dessas pessoas, é algo de tosco e primitivo – mas é também aquilo que temos de mais precioso.