A COLHEITA

Moço!

Ouça bem o que lhe digo, pois a miséria se encobre no valor da má semeadura. Eu nunca quis ouvir conselhos, queria ser cultor da liberdade, ávido pela cobiça, lancei-me nas ruas contra o espanto da noite, com uma renque de tristes parceiros.

Segui através do beco enganador o sinal da fumaça da diamba e andei por estranhas trilhas da violência.

Matei, roubei, estuprei, violei todos os direitos, pois eu queria o píncaro do mundo, não me importei com os apelos, nem com lágrimas da minha mãe.

Tenho agora um horizonte interrompido pelas paredes do outro pavilhão e o hostil silêncio das noites, onde ouço ao longe o lamento melancólico, da canção de um último horizonte.

Ocioso, fui meu próprio inimigo. A violência não leva a nada.

Como pode ver, estou aqui lhe falando com os olhos marejados pelas lembranças de um passado indigno e enganador. E com estas mãos que ninguém deseja apertar, tento disfarçar o fragor do remorso.

Eu que nunca acreditei num Ser Supremo – pois eu era o maioral – agora já posso senti-Lo nos pingos da chuva, no desabrochar da flor, no rumor das folhas, no calor do sol e até, mesmo no trovão que abala a terra.

Ouça moço! É preciso sabedoria para poder semear.

Com as mãos da alma num escárnio de chagas, tentando subir o caminho que desci, vou colhendo os espinheiros, das sementes que na juventude reguei.

Só o Mestre poderá acudir grandioso dano. Anseio pela liberdade da carne e então suplico:

Fecha-me Senhor os olhos e solta-me os grilhões.

Zulema Costa Mello
Enviado por Zulema Costa Mello em 28/05/2014
Reeditado em 07/06/2014
Código do texto: T4823947
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