O vendedor de sonhos
Já próximo do final de um longa reta na Avenida Rio de Janeiro vejo que o sinal ficou amarelo, acelero numa tentativa inútil de chegar até a Avenida Desembargador Maynard, mas o semáforo fica vermelho e sou obrigado a parar. De repente vejo saltar um homem dos trilhos da linha do trem segurando alguns brinquedos que chamam minha atenção pelo inusitado em que se transformaram nos dia de hoje, tempos em que reinam Playstations , tablets e afins. Ele trazia nas mãos singelos cavalinhos feitos de madeira.
Da janela do carro inicio um breve diálogo com ele. Seu nome é José Carlos, não perguntei sua idade, mas aparenta ter por volta dos cinquenta anos. Pergunto quem confecciona os brinquedos. Ele me responde que é a esposa dele. Apesar dos itens empregados na produção serem bastante simples o trabalho requer uma certa habilidade. Um cabo de vassoura faz as vezes de corpo do cavalo e um pedaço de pano com enchimento e alguns botões costurados dão forma as feições, mesmo que um tanto disformes, do animal.
José Carlos fica incumbido das vendas. Ele aproveita as manhã de Domingo para efetua-las pelas ruas e avenidas de Aracaju.Segundo ele neste dia as pessoas estão com a família e tem mais tempo disponível.
Por um instante fico a imaginar a reação dessas crianças acostumadas a um universo de fantasias já pronto, formatado por videogames, brinquedos eletrônicos e galinhas pintadinhas da vida... em como elas receberiam o rustico cavalinho de madeira. Será que perguntariam onde é que liga e diante da negativa do pai acerca do botão de ligar deixariam o brinquedo relegado a um canto qualquer.
Prefiro acreditar que não. Então vejo crianças a galopar, mas lembro que não se brinca mais nas ruas, e lembro também do tamanhos dos apartamentos , então vejo nos primeiros passos uma criança a dar de cara com uma parede de um cubículo como aqueles que estão sendo construídos na Jabotiana.
Fecho os olhos e tento voltar à minha infância já um pouco distante, recriar um tempo em que ainda se tinha espaço para sonhar. E naquele instante no meu mundo aquele cavalinho já não era de madeira, mas sim um Corcel negro e eu cavalgava por planícies e desertos de reinos muito distantes, sendo heróis em alguns dias, em outros , bandido. Em certas noites cruzaria o Arizona e o Texas metido em bangues bangues que deixaria o Ringo Kid de Jhon Wayne de cabelo em pé.
E toda partida seria saudades, donzelas a se lamentar, no entanto, toda chegada seria abraço da mais bela dama. E meu cavalo teria o nome de 'Ventania' ou outro similar que lembrasse liberdade, porque sonhar é se libertar.
De repente volto ao mundo real ao som de insistentes buzinas. O sinal tinha ficado verde. Um cidadão acelera seu carro, cola do meu lado e faz um gesto nada cordial. Ainda pergunto a José quantos cavalinhos ele vendeu naquela manhã. Ele me responde que não tinha vendido nenhum ainda. Engato a primeira e viro a esquerda. Não é mais tempo de sonhar.