"MININA" VAMOS TOMAR UM CANECO?"
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Em homenagem ao luso-brasileiro Eurico Manoel Nogueira da Silva
“Minina”, vamos ao bar tomar um caneco”.
Era assim que o Eurico Manoel Nogueira da Silva convidava a hoje minha esposa Yara Queiroz, para tomar uma cerveja no bar “Frangostoso”, na Avenida Joaquim Nabuco, quando deixavam a Faculdade de Direito, onde se formaram. Ela grávida de 7 meses de nosso único filho, Carlos Costa Filho. O gajo me causou ciúmes de tanto minha namorada falar dele com tanta ternura e admiração. Nos conhecemos no “Chopicanha” e também passei a admirá-lo, mas estava sempre com um cigarro entre os dedos e tinha uma forma de falar inconfundível. Piloto da Rico Táxi Aéreo, onde também era instrutor de pilotos, quase não tinha tempo de estudar. Como falava bem o inglês, era conhecedor de história e de geografia, fez supletivo e concluiu duas faculdades, Pedagogia e Direito vencendo pelo seu próprio esforço. Não compareci à Delegacia Geral porque não queria ver seu corpo inerte com 34 quilos dentro de um caixão. Não gosto de velórios, enterros ou cemitérios porque sinto que estou morrendo um pouco a cada vez que perco um amigo. Prefiro lembrá-los como foram em vida.
Desejo lembrar do Eurico, com seus quase 84 quilos, barriga proeminente, óculos de grau pendurado ao peito, como o vejo na fotografia que guardarei com muito orgulho. Na foto, tirada por ocasião de um ensaio da Banda da Bica, estamos, eu, Eurico, Yara e o jornalista Deocleciano Bentes de Souza, o Deco, na época pertencente à Diretoria da Banda Independente do Armando, a mais irreverente Banda de Rua de Manaus, com vida-longa também. Por isso, amigo Eurico, não fui ao velório de seu corpo porque prefiro recordar o amigo na foto que tenho e na sua forma alegre e divertida de viver. Na foto que guardarei eu, calvo e com barbas ainda negras com uma camisa da Banda, a Yara, já minha esposa, vestida de preto, o Deco, usando seu óculos, bandana negra na cabeça e uma camisa de meia azul e branca, da diretoria, diferente da que vestia, toda colorida. A foto foi tirada na porta do Bar do Armando, que aparece ao fundo.
É essa foto que guardarei comigo e que agora olho para escrever essa crônica, desejando apenas recordar momentos alegres deixados pelo Eurico, que parava em qualquer bar para tomar “caneco” com sua colega de Faculdade com quem também muitas vezes estudava, mas sempre com um cigarro entre os dedos. Mas, como disse, prefiro lembrar seus momentos bons e divertidos, como o de quando o então piloto Eurico estava pedindo autorização para pousar o avião que pilotava no Aeroporto Eduardo Gomes e, do outro lado, pensou um controlador de voo o estivesse imitando sua forma de falar, foi até o controle de terra do Aeroporto para “ver quem era o gajo que me arremeda” e constatou que controlador “gaiato” era seu conterrâneo da terra do além-mar, como costuma escrever a amiga leitora, Margarida Barral, que é de origem africana de Angola e que migrou para Portugal.
Desejo lembrar de quando você estava operado na Unimed e eu e a Yara fomos visitá-lo. Nos recebeu com um enorme sorriso e falou de suas angústias por não poder cuidar de seu filho, Eurico Júnior, que tinha problemas mentais “e só eu tenho paciência com ele, ninguém mais”. Ou quando você foi aprovado por concurso para Comissário eu brincava com a Yara e dizia: “ora pois, pois, esteja preso, gajo”. Ou quando fomos visitá-lo na Delegacia no Bairro da Compensa, onde trabalhava, eu observei facas, revólver em cima de sua mesa de trabalho e fiquei lembrando da época em que era repórter policial em A NOTÍCIA e identificávamos cada arma pela sua função no mundo do crime: “faca, carteira de identidade, revólver, CPF” lhe perguntei a razão daquilo em cima de sua mesa e Eurico, sempre sorrindo e com o cigarro entre os dedos, com sua barriga proeminente, dizendo-me que são “armas utilizadas em crimes” que serviriam de prova da ação contra o meliante, ou o “gajo”, como Eurico não perdia o hábito de pronunciar.
No hospital da Unimed, onde fomos visitá-lo, recordo uma cena comovente de você, já quase sem cabelos, falando que estava difícil enfrentar os efeitos colaterais da quimioterapia, sempre sorrindo, levando tudo como fosse uma mera brincadeira, a Yara lhe falou, pegando em sua mão: “seja forte, amigo e não vá nos deixar agora” e você repetindo de novo sua preocupação com seu filho Eurico Júnior e garantindo: “vou superar isso para cuidar do meu filho” e fazia planos para tomar “uns canecos”, assim que se recuperasse e recebesse alta. Você, Eurico, era a própria vida.
Alegre, brincalhão. Eurico conseguiu fazer amigos e todos seus queridos colegas do curso de Direito estavam presentes ao velório. Todos choraram, lamentaram muito pela sua perda, mas sua esposa Nela, também enfermeira que cuidava de você, dizia que muitas noites, tinha que dopá-lo completamente para dormir, tantas eram as dores na coluna sentia porque o câncer, em metástase, o estava consumindo todo, e que reclamava por não conseguir sentar porque tudo lhe doía, muito.
Não sofra mais, Eurico. Vá em paz, vá se encontrar com o seu colega de Faculdade David, funcionário de carreira do Tribunal Regional do Trabalho, que já lhe espera no céu.. Vá ri com seu amigo de Faculdade, contar-lhe suas histórias, aventuras de piloto civil de guerra, conhecimentos de geografia, histórias que você viveu na prática, que eu vou ficando aqui com as nossas recordações gravadas em fotografias de nossos momentos felizes.
Um dia também me encontrarei com você porque é o destino de todos ao seres vivos e eu não serei exceção, Eurico! Aguarde-me, amigo, porque quero conhecer mais sobre suas aventuras como piloto civil de guerra!